Wednesday, July 29, 2009


Cairo, dia 28 de Julho, 2009


"Novos musicos, novos temas e territorios a explorar...e eu voando...:)"


Aqui vai mais um video de um dos varios solos de tabla totalmente improvisados com o meu novo percussionista, Karam (percussionista que partilho com a bailarina Randa Kamel, tambem actuando no "Nile Maxim").

Criamos, do zero, um novo solo de tabla a cada show que apresentamos e as possibilidades sao infinitas.

Espero que gostem!


Cliquem no seguinte link:



Tuesday, July 28, 2009


Cairo, dia 27 de Julho, 2009
"Crescendo em palco...a verdadeira maratona!"


Uau! Que maratona...deveria ter actuado quatro noites e descansado duas para retomar mais um bloco de quatro noites de espectaculos mas, por qualquer razao que desconheco e agradeco aos ceus, acabamos por actuar (sem descanso) 15 dias seguidos.



Nao me queixo, estou para la de Bagdad de feliz e, no entanto, chegar a casa as 2.30h da manha, dar aulas na manha seguinte ate as duas da tarde e seguir para mais uma noite de shows sera, logicamente, maravilhoso mas extenuante.
A minha assistente - Nagle, um autentico personagem retirado dos romances do Nobel Naguib Mahfouz - tem sido a minha salvacao. Nao so me ajuda durante os shows mas traz-me comida egipcia e pipocas (?!), cha, roupas frescas que nao lhe servem e que ela pensa que ficarao a matar em mim e outros miminhos que me ajudam a nao cair para o lado.
Quando me encontro neste ritmo de rotina de shows, a vida resume-se apenas a isso mesmo: ROTINA DE SHOWS. Nao ha tempo nem para ir comprar comida e encher o frigorifico que se encontra num estado lastimoso de penuria...



O programa tem de ser mudado todos os dias. O melhor professor do mundo jamais me poderia ensinar tudo o que eu estou aprender com esta vida que aqui vivo.Jamais...

As manicures e pedicures sao mantidas diariamente, bem como "coisas de mulher" (depilacao, depilacao, depilacao, a cruz do mulherio...) e um tempo minimo de sono que eu nao tenho cumprido.
Tudo o que se conversa ronda...adivinharam! OS SHOWS. Passo os dias rodeada pela minha assistente, musicos, tecnicos e designers que me fazem os trajes e me cobram os olhos da cara por eles, entregando-me trajes mal acabados (cujos "soutiens" convenientemente se abrem e se desmembram em palco logo na primeira vez que os visto!Um primor!).



Reunioes com os musicos antes de cada show. Ensaio, correccoes, novas musicas sendo preparadas de um dia para o outro. A maquina nao pode parar.


Lado bom da exaustao:
Estou tao cansada que nem me posso dar ao luxo de estar tensa ou nervosa. Nao tenho energia para tal. Em palco, devido a essa mesma abencoada exaustao, estou extremamente relaxada e, porque a mente nao esta activada a 100% e o corpo responde a alma, nao ao raciocinio. Muitas das melhores noites de espectaculos chegaram quando eu estava exausta!
Nao perder tempo com assuntos ou pessoas que nao merecem a minha atencao:
Outro lado positivo da exaustao e da concentracao num objectivo maior (fazer sempre melhor e melhor). Fantastico! Quando a nossa cabeca esta centrada em objectivos que nos sao valiosos, nao existe espaco para pensamentos destrutivos, pessoas ou assuntos que nao nos dignificam.

Fico-me pelo ESSENCIAL e vou repelindo cada elemento superfluo com uma naturalidade que ronda a frieza (fico surpreendida comigo mesma).
Nova orquestra (ainda instavel mas, pouco a pouco, definindo-se) e a ousadia que so o sucesso e o reconhecimento nos oferecem para tentar coisas novas e lancar-me em terrenos estranhos ate entao. A todo o vapor...
Aqui vai mais um tabla solo com o meu novo percussionista. Esta foi a primeira vez que actuamos juntos. Nada de ensaios ou conversas previas. De estranhos, passamos a companheiros de palco. Aqui esta o resultado da nossa primeira improvisacao (ele nao sabe o que eu vou fazer e eu nem sonho o que ele me dara na "tabla" mas o resultado nao esta mau, para primeira vez!:):

Cliquem no link:

Friday, July 24, 2009


Cairo, dia 25 de Julho, 2009


"Outro video de "moi" interpretando Mohamed Abdul Wahab"


Querida Teresinha, espero que estejas mais satisfeita :) depois desta rajada de videos.

Beijo enorme para ti.
Aqui segue mais um video onde interpreto "Yamsafer Wahdak" ("Viajando sozinha") do grande cantor/compositor Mohamed Abdul Wahab. A voz do cantor e a letra da musica foram substituidas pelo violino oriental ao qual por aqui se da o nome de "kamanga".


Espero que gostem. Cliquem no seguinte link:






Cairo, dia 24 de Julho, 2009


"Mais um video para as minhas queridas alunas (pedido da Teresinha!) e todos os que me acompanham e apoiam!"




Fresquinho, fresquinho (mais fresquinho, com certeza, do que os vegetais e fruta podre que os egipcios adoram vender e consumir por ca...a terra do "kunami fresquinho", como diriam os "GATO FEDORENTO")...acabadinho de sair da minha humilde camara (oferta do meu pai que nao se entendeu com a "maquinaria da coisa") e de um dos shows de ontem a noite.




O tema: "Mawood" do famoso cantor Abdel Halim Hafez


Ontem foi uma noite complicada - torcendo para que hoje seja melhor! - com muita instabilidade e musicos temporarios que nao sabiam nada do meu programa ou do que eu exijo em palco.


Muitos nervos, insatisfacao e tensao da minha parte mas, mesmo assim ou por causa disso, la consegui levar avante dois shows fantasticos nos quais se incluiu este tema.


Aqui estou eu, dancando e partilhando em palco um pouco da minha vida.


Espero que gostem.




Thursday, July 23, 2009











Cairo, dia 23 de Julho, 2009

"Videos para o meu pessoal"



Eu, actuando no "Nile Maxim" e pensando em voces, aqueles que me apoiam e me incentivam!

Cliquem:


Saturday, July 18, 2009

WORKSHOPS DE JOANA S. EM PORTUGAL, ITÁLIA E EGIPTO – INSCRIÇÕES PROMOCIONAIS, AGORA!

*** EGIPTO – Curso intensivo – Julho e Agosto – no CSA Maadi (infos através do email: dancemagica@gmail.com)

*** ITÁLIA – Cursos intensivos dias 26 e 27 de Setembro (programa brevemente disponível)

*** PORTUGAL:

Joana Saahirah do Cairo em
Portugal (Lisboa) - Dias 19 e 20 de Setembro de 2009
Workshops de Dança Oriental estilo do Cairo- “NEW CRAZY TABLA SOLO” e Saiidi moderno (Folclore do Alto Egipto)
Com DVD das coreografias disponível no evento!


Programação:

Sábado, dia 19 de Setembro:
Das 10.30h às 13.30h - Bloco I do Workshop de Dança Oriental estilo do Cairo - “NEW CRAZY TABLA SOLO“- Técnica, interpretação e linguagem moderna nascida na vida nocturna do Cairo, mescla do mais puro e tradicional “baladi” com uma abordagem moderna da dança apta a comunicar com todos os tipos de público: estrangeiro, egípcio e árabe.
Nova forma de escutar, dançar e interpretar a percussão egípcia. Preparação para o “NEW CRAZY TABLA SOLO”

Das 15.30h às 18.30h - Bloco I do Workshop de Saiidi moderno- Folclore do Alto Egipto
Técnica, ritmo e estilo/postura/atitude próprias de Saiidi.
Coordenação com bastão, movimentos “saiidi” e “tahtib” e descoberta de uma feminilidade e sensibilidade árabes.


Domingo, dia 20 de Setembro:
Das 10.30h às 13.30h - Coreografia completa utilizando a técnica e ensinamentos transmitidos no 1º bloco do Workshop.
Das 15.30h às 18.30h - Coreografia completa utilizando a técnica e ensinamentos transmitidos no 1º bloco do Workshop.


BAZAR ORIENTAL:
Exposição e venda de artigos relativos à Dança Oriental em local adjacente à sala onde decorrem os workshops.
Os últimos cds do Egipto, novos trajes e lenços de alta qualidade para bailarinas, sagats, véus , dvds de Dança Oriental e muito mais... aberto das 11.00h às 17.30h a participantes dos workshops e não participantes.

***
Preços:

*** 1 Workshop(6 horas de formação divididas entre Sábado e Domingo)
Inscrição promocional até dia 20 de Julho (65 euros)
Inscrição promocional até dia 20 de Agosto (75 euros)
Inscrição “standard” desde dia 21 de Agosto até à data do Workshop (90 euros)

*** 2 Workshops (12 horas de formação)
Inscrição promocional até dia 20 de Julho (110 euros)
Inscrição promocional até dia 20 de Agosto (130 euros)
Inscrição “standard” desde dia 21 de Agosto até à data dos Workshops (150 euros)


***
Formas de pagamento:
Para inscrever-se e garantir a sua participação no Curso ou nalgum dos blocos de formação, terá de efectuar o pagamento do mesmo através de transferência multibanco para a conta com o NIB: 0007 0075 000 1125 000536
ou envio de cheque ( no caso de preferir enviar-nos o cheque por correio, peça-nos a morada da Dança Mágica )
Após ter efectuado a transferência ou enviado o pagamento, terá de informa-nos a data em que fez a transferência e o nome em que fica efectuada a inscrição através dos seguintes contactos:
joanabellydance@sapo.pt / dancemagica@gmail.com
TM: 00351 - 96 642 7997 (Portugal) /


NOTA: Possibilidade de alojamento na Pousada da Juventude do local do evento (IPJ do Parque Das Nações ).

Organização:
Joana Saahirah e Dança Mágica
www.joanabellydance.com
FaceBook (Joana Saahirah)
Cairo, dia 17 de Julho, 2009


"Om Kolthoum - simply the BEST!"

Primeiro que tudo, tenho de pedir desculpa pela falta de pontuacao na escrita destes ultimos postings.Tenho escrito a partir do meu computador egipcio e o teclado nao possui os caracteres necessarios para fazer a pontuacao da lingua portuguesa. De qualquer forma, penso que nos entendemos (mesmo sem todos os acentos e sinalefas).


Quero partilhar convosco um dos meus videos preferidos da DIVA Om Kolthoum.


O meu amor e admiracao totais por esta cantora crescem de dia para dia e nasceram a partir da minha relacao com a Danca. Grande parte do incentivo em aprender o dialecto egipcio veio, para mim, da vontade imensa de compreender a fundo as letras das cancoes celebres da "Estrela do Oriente". Quanto mais conhecia deste idioma, de musica, de danca e de arte, mais apreciava Om Kolthoum ate chegar a um ponto em que me posso gabar de conhecer o seu reportorio musical melhor do que qualquer egipcio que eu conheca (inclusivamente, musicos).


Tenho tambem a sorte de possuir um excelente ouvido e uma memoria musical fantastica que me permitem escutar uma melodia ou um ritmo uma so vez e jamais os esquecer.

Om Kolthoum tem sido o pilar da minha educacao musical no Medio Oriente, curiosamente, na danca. Atraves da forma como ela cantava e INTERPRETAVA cada palavra enchendo-a de sentido e experiencia de vida, eu entendi o que era essencial na propria Danca Arabe.



O publico de ca ja me conhece pela minha preferencia por Om Kolthoum e espera, em cada show, pelo menos uma musica dela dancado por mim no palco.


Acabo de ler o livro "I loved you for your voice" ("Eu amei-te pela tua voz") do autor Selim Nassib e tudo se encaixa. O meu video predilecto e a descricao que este autor - na voz do poeta Ahmad Rami que escreveu grande parte das letras da cantora e que por ela nutriu um amor frustrado e eterno - faz de um dos seus ultimos concertos em Marrocos encontram-se e dao as maos como dois velhos amigos que se veem, apos uma longa e tortuosa, separacao.

A descricao que Selim - na voz do poeta Rami - faz dessa memoravel actuacao em Marrocos coincide com o video-clip que eu tenho. As palavras que ele escolhe para descrever esta maravilha encaixam-se na perfeicao com o conteudo do video.

Neste video, Om Kolthoum improvisa sobre uma frase e mostra-me, sempre que a revejo nesta obra prima musical, de que materia os verdadeiros artistas sao feitos.


O "tarab", esse sentimento de uniao e elevacao espiritual atraves da musica esta aqui representado da forma mais sublime. As lagrimas chegam-me aos olhos, sem aviso, sempre que revejo este video.


Cliquem em:

http://www.youtube.com/watch?v=eavlX3fkHco

Friday, July 17, 2009

Cairo, dia 17 de Julho, 2009

"Miminho para alunos, seguidores, amigos e familia"
Video de uma das entradas (sim, preparei varias!) do meu novo show no Cairo:















Cairo, dia 15 de Julho, 2009

“ GRANDES espectáculos, Om Kolthoum e stress...”

*** A minha cabeça anda à roda com tantos anseios, ideias e projectos que, de repente, se podem realizar. Ainda não caí em mim e senti, na verdade, a benção que me foi oferecida (com um preço a pagar, como tudo o que nos é “dado” no Egipto!). Nada me foi dado de mão beijada. Cada espectáculo que apresento é ganho à custa de muito talento, cabeça e trabalho árduo. Será que os meus neurónios resistem a tanto esforço constante?!

*** A transição que fiz para o “Nile Maxim” é um passo que já ansiava há imenso tempo mas que, devido à realidade que me rodeia e aos “timings” divinos que tudo regem, ainda não podia realizar até que proclamei a mim mesma e perante o Universo: é agora ou nunca.

*** Conseguir actuar neste local – competindo directamente com duas das bailarinas mais experientes e conceituadas do Egipto, Randa Kamel e Asmahan – sem me prostituir ou ceder um milímetro que fosse do meu orgulho e dignidade é, em si, uma benção. Conheço o mercado em que trabalho. Sei como foi que cada uma das bailarinas começou a actuar e através de que cama o conseguiu. Sei demasiado para ser inocente e mais do que preferia saber.
A ignorância pode ser umaa benção, outro género de benção pela qual anseio frequentemente.

*** O convite chegou-me depois de quase quatro anos de trabalho incessante e sem qualquer tipo de auxílio, publicidade, ajuda. Estive imersa no meu mundo de arte e amor numa cave onde, pouco a pouco, músicos e audiências (especialmente, a egípcia) me foram descobrindo. Graças a Deus!
Como o tempo passa a correr, meu Deus! E como os quase quatro anos se dissolvem em nada quando penso em tudo o que vivi e evoluí.

*** Não entrando pela porta dourada da cama, há que trabalhar o triplo de quem lá está por essa via. Disso eu já sabia. Assim passo os meus dias, entre a burocracia interminável do meu novo contrato e visto de trabalho, novos trajes, programação, coreografias e roupas de bailarinos, cantorias (sim, eu canto em árabe!) and quebra-cabeças diário que escolho para mim mesma na busca de novas/velhas músicas que me apaixonem para dançar.

A sede da criação devora-me e eu sinto-me uma máquina de criar trabalhando incessantemente, com a noção clara de que cada noite, cada espectáculo é único, um privilégio que não devo tomar por garantido. O meu sucesso ganha-se com trabalho sem tréguas. Nenhuma mão de auxílio no horizonte, nunca lá esteve!
Apenas escuto vozes derrotistas de músicos que se queixam que a arte acabou no Egipto ou de gerentes perdidos clamando aos céus porque o público não frequenta os locais de espectáculos. Uma choraminguice geral que a nada leva!

“Sim, mas não vale a pena choramingar. Há que seguir em frente e fazer o melhor das circunstâncias em que vivemos. Chorar e lamentar nunca resolveu nada.
Se a realidade não é o que desejávamos que fosse, porque não colocar mãos à obra e arranjar soluções para trazer de volta o público às casas de espectáculo?!
A mudança está nas nossas mãos...” Digo eu aos meus músicos quando nos reunimos antes de cada espectáculo. Eles respiram fundo, exaustos, e olham para mim como se fosse Saad Zaghloul, o pai da Independência do Egipto (bye, bye, ingleses!).

*** Os espectáculos desta noite foram simplesmente FANTÁSTICOS. Parece que todo o senhor ou madame que se pode apelidade de VIP estava lá para me ver.
A pressão era muita e tudo tinha de estar perfeito. Verifico a roupa dos músicos, o som, o programa, os bailarinos e os adereços. Os meus trajes e toda a parafernália que a eles está associada estão organizados por ordem em cadeiras que me esperarão para mudanças de roupa rapidíssimas no decorrer do espectáculo.

*** Dispenso a minha assistente. Dou-lhe a câmara de filmar e digo-lhe que se divirta assistindo ao espectáculo. Ela está lá, supostamente, para me ajudar a trocar de roupa e tornar estas corridas contra o tempo o mais fáceis e velozes possível mas, na realidade, assim que me dispo ela fica especada a olhar para mim e faz nada do que eu necessito que ela faça para me ajudar a preparar-me para o palco.

*** Deleite (o espectáculo):

Faço a minha entrada com bailarinos e depois a só. A estrutura que montei está a solidificar-se e eu já perdi o medo de me esquecer dos passos nas sequências de dança com os rapazes.
Assim que entro, e depois de ter sido avisada milhares de vezes relativamente à mesa dos VIP que vieram verificar a qualidade do “bife português” , escuto o meu nome em gritos carinhosos de uma audiência que desconheço mas que, de qualquer forma, me conhece a mim e não se inibe em manifestar o seu apreço.
Isto é o que os egípcios têm de melhor: participam activamente nos espectáculos, reagindo activamente à bailarina. Por vezes, vê-se inveja e cobiça na face das egípcias que não engolem o facto de eu ser estrangeira. Outras vezes, vê-se a reticência monstruosa na cara de homens e mulheres que, momentos mais tarde, estão rendidos à arte. Sem fronteiros nem nacionalidades. Seja como for, o público egípcio mostra sempre o que sente e pensa e isso é um desafio que adoro enfrentar. Ser apreciada. Aceite numa profissão onde sou vista como uma intrusa. Que desafio...


*** A noite está a ser maravilhosa. Um espectáculo de uma hora de puro entretenimento já lá vai e agora o segundo da noite com os tais VIPs esperando o melhor (ou o pior?!) de mim.
Desço as escadas íngremes que me levam ao camarim para concluir a última mudança de traje. Os bailarinos e a orquestra fazem tempo no palco até que eu chego e os gerentes já haviam comentado que o palco sem mim torna-se demasiado vazio e o público queixa-se. Que fazer?! Poderei eu mudar de roupa em cena??? (lá poder, poder, até posso...seria um “outro” espectáculo um pouco fora da minha “onda”!).

Visto uma série de peças de roupa, troca de sapatos, top, “gallabeya” baladi, gallabeya e boné saiidi, retoca a maquilhagem e o cabelo, seca o suor que me escorre fluentemente pelas costas e pelas pernas abaixo...estou quase, quase pronta quando o fecho do meu top decide abrir-se e eu verifico que a presilha que une as alças se soltou. “Oh, meu Deus....agora não! Este é o pior momento para remendos, linhas e agulhas... e os meus bailarinos fazendo tempo lá em cima onde tudo acontece sem ideia de que eu estou a desesperar procurando a minha caixinha de agulhas e linhas, o kit de urgência para estas ocasiões. “

*** Peço a Deus que me ajude, sei que estou a demorar-me no camarim muito para além do aceitável e os gerentes já devem estar a bufar por todos os lados...nada a fazer senão esquecer a ajuda de Deus – que parece estar a gozar com o meu desespero – respirar fundo e fazer o que há a fazer, evitando pensar no que se passa no palco até que eu lá chegue.

*** Corro para os meus bailarinos, tento compensar o terrível atraso atraso com entusiasmo e inspiração extra enquanto danço. O público sente-o e parece esquecer que estive no camarim o tempo suficiente para assar um frango do campo (mais duro e tenro do que os de aviário e, por isso, mais lento de cozinhar).

*** A noite termina em delírio total. Estou esgotada. Estes espectáculos/desafio dão-me uma energia sobre-humana mas também ma roubam como se eu fosse um balão em pleno voo ao qual é retirado todo o ar apenas num segundo.
A ovação é total e o grupo VIP – bem como todo o público! – está rendido. Eu prosto-me agradecendo à audiência, aos meus músicos e bailarinos, a Deus. Sorrio e respiro fundo olhando à minha volta e tentanto sentir os pés no chão.
Sim, é verdade. Estou AQUI. O sonho de tantas bailarinas de todo o mundo. O meu sonho ou parte dele.
Olho para os meus bailarinos e para o candelabro que me cobre a cabeça como uma benção ou um baptismo de luz. Custa-me a acreditar que cheguei até aqui e sei, no entanto, que este talento, perseverança e força que me têm feito crescer são mimos – ou castigos - de Deus pelos quais devo estar sempre grata.

*** Regresso ao camarim, olho-me ao espelho e repito, uma vez mais e já em árabe pela força do hábito, “Graças a Deus” (“Il hamdulilah”). Uma vez mais, as musas da inspiranção estiveram comigo (podem não estar!), o público recebeu-me de braços abertos e todos os intervenientes no espectáculo tiveram saúde e energia para dar o seu melhor. Il hamdullilah!

*** A minha assistente recolhe e arruma roupas, acessórios, os meus novos “toura” (espécie de “sagats” grandes usados pelos sufis) , maquilhagem e tanta traquitana que compõe o pré-espectáculo e eu estou inerte, sentada na cadeira que descansa em frente a um espelho quebrado, respirando fundo, tentanto tomar consciência de tudo o que me está a acontecer.
Penso para mim mesma: “Se mais oportunidades me forem dadas, farei melhor e melhor. Soltaram o leão da jaula e não há forma de o parar...graças a Deus, uma e outra vez, sem parar...”
Para verem um clip, parte do show, cliquem neste link:

*** A caminho de casa:

O taxista que nos leva até casa – assustado com os bastões, chapéus e malas com roupas minhas e dos bailarinos – fala consigo mesma, totalmente distante e indiferente à minha expressão de surpresa que parece dizer:
“O que é que lhe deu!? Com quem está ele a falar?!”

Abrimos as janelas e deixamos entrar esse ar inimitável do Verão no Cairo. Brisa fresca e arrogante desalinhando o que resta do meu penteado e da minha maquilhagem já esborratada depois de tanto trabalho.
De repente, e enquanto eu fecho os olhos e simplesmente respiro, ouve-se a voz de Om Kolthoum e o taxista abandona o seu amigo imaginário para se juntar à diva que canta algumas das minhas canções favoritas numa cassete com aquilo a que os egípcios gostam de chamar “cocktail” musical (partes seleccionadas de várias músicas unidas entre si).

Eu começo a cantar com o taxista, é inevitável. O taxista não parece notar que eu me juntei ao duo que ele criou a partir do seu mundo interno de sonhos e um coração que, a meio da loucura da luta diária, ele tende a esquecer.

Quando chegamos a casa e depois de lhe ter pago e retirado toda a minha traquitana do táxi, ele estende a sua mão calejada na minha direção e oferece-me a cassete da Om Kolthoum, a mesma que liderara o nosso concerto improvisado.
Apanhada de surpresa, eu recuso e agradeço a simpatia.
“Desculpe mas não posso aceitar. Essa cassete é sua. Eu posso apontar o nome da cassete e comprá-la amanhã. Não se preocupe.” Digo eu firmemente.
“Não. Aceite a cassete. Alguém que adora Om Kolthoum como você e a canta dessa forma, merece este presente!” – Retorquiu ele, sem hesitar e totalmente seguro de que aquela cassete me pertencia.
“Il akhla hedeya, walah!” (“ O melhor presente de todos, por Deus!”) - Respondi eu com uma alegria que só me lembro de sentir na noite de Natal quando eu e a minha irmã éramos pequenas e ainda acreditávamos que o Pai Natal existe (apesar de sabermos que o meu pai se vestia de vermelho e colava algodão às barbas sem razão aparente...).

*** A noite não podia ter terminado da melhor forma. Cheguei a casa e abri as portas das minhas varandas para deixar entrar o ar da noite. Uma corrente de ar envolveu a casa e trouxe-me melodias e ritmos vindos da rua. Talvez um par de casamentos no bairro. Consegui destrinçar um solo de tabla famoso nos casamentos, o também célebre “shik shak shok” e o saxofone de Semir Serour tocando a sua versão instrumental da minha querida Om Kolthoum.

*** Já sem maquilhagem e totalmente ausente de energia, paro na escuridão do meu quarto em frente à varanda obscura e começo a dançar para mim mesma ao som das músicas variadas que me chegam da rua. Olho para a lua, relembro os espectáculos da noite, o gesto generoso do taxista que me ofereceu a cassete do meu encanto, estas músicas coloridas de emoções que me chegam da rua às 2.00h da manhã e eu ali...dançando de olhos fechados de mão dada com a brisa desta noite que não podia ter sido mais perfeita.

*** Longe de tudo o que ainda me falta e sem pensar no que já ri e chorei, agradeci, agradeci e agradeci ao ponto de tornar a simples palavra “Obrigada” numa prece. Talvez a única que faz sentido.
Cairo, dia 13 de Julho, 2009

“Espectáculos , compras “baladi” e as lições da minha assistente”


*** A experiência de actuar num novo local ( com novos músicos e bailarinos) não me assusta, apesar de eu saber que este meio onde me movo é uma selva e que é a lei do mais sujo e ambicioso que, normalmente, reina e singra.
Existem muitas expectativas face ao meu trabalho, muita gente esperando o melhor e ainda mais gente – nomeadamente, outras bailarinas – desejando o pior.
Apesar de saber disso, ninguém me pressiona tanto como eu mesma e, na verdade, já estou habituada a ser posta à prova.














A minha assistente Nagle comigo no camarim antes de um espectaculo...



Quando nada nem ninguém me suporta/protege/auxilia num meio como este, a única coisa que me mantém na “mó de cima” e me faz crescer é o recurso inevitável a um trabalho que seja sempre de alto nível, surpreendente e do agrado do público variado que me ver ver. Agradar a gregos e troianos e, ainda assim, agradar-me a mim mesma, fazendo apenas aquilo que eu considero artística e eticamente desejável.

*** Tudo está às minhas costas e qualquer pequeno erro da minha equipa – inclui orquestra, bailarinos, assistente e até o técnico de som e luzes que eu não conheço pessoalmente! – vem reflectido na minha pessoa e responsabilidade, como um fiel boomerang que regressa à sua origem. A pressão é muita, embora eu tente afastar a sensação da carga do fardo que carrego.

*** Músicos: Tal como a directora de uma escola interna, certifico-me que toda a orquestra está pontualmente presente no camarim revendo o programa da noite.
Reparo no traje de cada um, quem esqueceu a gravata, quem vem com uma camisa de flanela às riscas e se recusa a vestir algo melhor ou até quem acha que uma barba por fazer é sexy, quem vem com os sapatos rotos do tempo da Maria Caxuxa, etc... Uff! Não é fácil tomar conta do meu próprio trabalho, enquanto bailarina, e do trabalho dos demais. Para isso existem os afamados gerentes que são, na prática e a bem da verdade, proxenetas das bailarinas em 99% dos casos. Enquanto não me rendo às delícias do proxenetismo e aos seus vários benefícios, tenho de ser eu a patroa e responsável de tudo e isso acarreta os seus dissabores, bem como vantages (vantagens?!!! Agora, de repente, não estou a ver quais mais tudo bem...adiante...).
Telemóveis desligados e nada de conversa no palco, digo eu com uma serenidade tal que ninguém adivinharia que é esta a 189ª vez que eu faço este aviso (para mim, algo tão básico que nunca me passou pela cabeça que o tivesse de relembrar a músicos com 40 anos de carreira).

*** Bailarinos: Verificar roupas e apresentação geral, além dos adereços que eles terão de levar para palco. Refazer coreografias nos camarins.
“Por favor, energia! Energia, rapazes!” – Digo-lhes eu como se estivesse a anunciar o fim do mundo (algo grandioso e insuspeitado).

*** Técnico de som e luz: Saberá ele o que anda a fazer?! O som é terrível. Escuto alguns instrumentos como se fossem trompetes tocando a altos décibeis nos meus ouvidos e outros como se fossem formigas suspirando entre si.
Precisa de algum ensaio da parte da orquestra?! Sim, não?! Em que ficamos??? Existe uma forma de equalizar todos os instrumentos, caso ele ainda não tenha ouvido falar disso!
Por momentos, sinto-me exasperando e pedindo um segundo para respirar fundo.
Tanta falta de profissionalismo da maior parte dos que me rodeiam e eu como responsável por todos eles, tentando rezar para que não falhem demasiado.
Nunca gostei de responsabilizar-me pelo trabalho dos demais. Responsabilizar-me pelo meu já me pesa bastante porque nunca deixo de dar o meu melhor e assumo total responsabilidade por erros que, eventualmente, occorram e que corrijo assim que me apercebo que há melhoramentos a fazer e que estes estão nas minhas mãos.

*** Assim que a orquestra começa a tocar, a gerente do local telefona-me para os camarins queixando-se do som que está demasiado alto e desnivelado e eu ali, de caras com a minha assistente que não entende porque estou tão exausta, sem poder fazer nada e tentanto concentrar-me para aquele que é, de facto, o meu trabalho: DANÇAR!

*** Digo-lhe que estou nos camarins preparando-me para o palco e que não existe maneira de controlar o técnico de som a esta altura do campeonato, sendo que – além do mais- o som não é responsabilidade minha mas do técnico que é pago para tratar do assunto.

*** Quando subo ao palco já levo um sem número de tarefas cumpridas e várias preocupações que espero não serem visíveis ao público. Entrego-me ao espectáculo e, assim que dou o sinal de partida, ai de quem me chateie com sons ou luzes tortas...este espaço é meu, dos meus músicos e bailarinos e do meu público e a DANÇA – lembram-se?! O meu trabalho??! – toma forma e vida, finalmente...

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*** Depois dos espectáculos da noite, tivemos os espectáculos da manhã com grupos de japoneses e as suas máquinas fotográficas coladas aos olhos.
Sinto saudades de dançar para egípcios. Uma vez mais, este público terá de ser atraído, criado e mantido por mim agora que mudei de local de espectáculos e a minha audiência local me perdeu o rumo. Terão de se aperceber do novo local onde poderão ver-me e o processo de criar a minha própria lista de públicos locais terá início. Mãos à obra e eles virão!

*** Regresso a casa exausta mas a minha assistente – baladi style – insiste em levar-me a conhecer um roteiro de compras igualmente “baladi” onde posso encontrar incenso lá para casa, “lingerie” egípcia que pode ser adaptada a trajes de dança, vegetais já podres que os comerciantes vendem como se tivessem sido arrancados da terra há minutos atrás, material para bordar trajes, sapatos, sumos naturais de manufactura mais que duvidosa e um labirinto de mercados mesmo à porta de casa onde nos podemos perder e passar o dia inteiro às voltas sem que vejamos todas as lojas e esquinas que os compõem.

***Porque razão este trabalho não é para todos?!
Nunca me canso de incentivar todos aqueles que sonham e não temem os riscos e sacrifícios necessários à realização de tudo o que anseiam ver nas suas vidas.
Costumo dizer que sonhar é fácil e todos o podemos fazer mas o trabalho, a acção, a coragem e os passos necessários à realização desse sonho já não são para todos.

Vejo bailarina atrás de bailarina chegando ao Cairo com uma mala cheia de sonhos e ilusões e, uma atrás da outra, regressar ao seu país totalmente desfeita e desmoralizada, amaldiçoando egípcios e o meio sujo da Dança Oriental no Médio Oriente. Quem me fala de corrupção e do facto de apenas se conseguir trabalhar por cá prostituindo-se está, claramente, a pedir uma bofetada pois sou eu mesma um exemplo vivo de que existem excepções à regra – muito, muito poucas... – e que, com talento, um carácter muito forte e um desejo de triunfar maior do que as dificuldades do caminho, consegue-se – honestamente – trabalhar. Tudo leva mais tempo, o ritmo com que se constrói um nome e uma carreira são, sem dúvida, mais lentos do que ritmo de quem tem um senhor de dinheiro e poder nas suas costas mas é possível seguir em frente e realizar aquilo a que nos propusemos.

Bem...digamos que, depois de tres anos intensivos de espectáculos quase diários, o meu nome já circula no mercado como um dos melhores da cidade e do mundo e isto sem que eu me publicite a mim mesma ou tenha quem o faça por mim.
Mesmo assim, sou posta à prova a cada espectáculo dado. Quem toma as decisões de trabalho testa-me até ao limite e vê até que ponto agrado às pessoas mais diversas que por ali aparecem. Depois de já ter provado, noite após noite, que até sei um bom bocado daquilo que faço, recomeço do zero onde todos esperam que falhe, todos me avaliam e dificultam o trabalho e ninguém me dá uma palmada nas costas.
Lidar com esta pressão – e outras – não apaga a gratidão e a excitação pelo novo trabalho, pelas novas portas que se abrem e pelo meu novo espectáculo que me orgulha mais que tudo. Nada apaga nada mas, desmistificando todas as ideias que bailarinas de todo o mundo possuem sobre a vida do lado de cá – o desafio não é para todos.

***Ter de competir com as bailarinas já estabelecidas – que, para mim, são apenas Randa Kamel e Asmahan, ambas estabelecidas no mercado há já vinte anos! – e atrair clientela através da minha arte e não pela cama.
*** Não cair em nenhum erro nem deixar que ninguém da minha equipa falhe para que a avaliaçao seja sempre a melhor.
*** Criar trabalho para mim mesma a partir do zero pois nenhum espectáculo me é dado de mão beijada. Se o público não pede o meu nome, eu, os meus músicos e os meus bailarinos não trabalhamos.
*** Criar espectáculos diferentes com reportório sempre dinâmico, pioneiro e mutável acompanhado por trajes de dança caríssimos que tenho dificuldade em pagar.
*** Manter-me sempre mais e melhor, a cada espectáculo, para que o meu nome circule e eu cresça em termos de popularidade.
Será isto suficiente?!

Por esta e por tantas outras razões que não mencionei, não penso que este trabalho seja para todos. Trata-se de um teste demasiado cruel de força de carácter, perseverança, resistência física, emocional e psicológica, inteligência e calma.

*** As lições antropológicas e sociológicas da minha assistente:

O Egipto visto por dentro através de pessoas comuns que não temem dizer a verdade. Embora a realidade seja distinta para os pobres e para os ricos (financeiramente falando), existem bases comuns em termos de religião, mentalidade e aspiraçoes de vida.

*** A Nagle levou-me ao mercado “baladi” de Maadi, tão perto de minha casa e, no entanto, panorama de uma realidade tão longínqua da qual conheço diariamente.
Fomos em busca de sapatos e adereços para o meu espectáculo, lantejoulas e materiais variados para um traje que ela me está a bordar e uma ronda naquilo que é um autêntico festim para os olhos e, por vezes, uma tragédia para o meu sensível nariz.

Trajes, lojas de sumos naturais onde paramos para beber sumo de cana de açucar (o melhor está no Luxor!), lojas de especiarias onde a Nagle me mostra óleos e mesinhas para tudo e uma máscara de beleza vinda de Marrocos que promete rejuvenescer até a mais encarquilhada das peles.
Passamos também por galinhas e pintainhos engaiolados, “stands” de fruta e vegetais a rondar o pobre ou em plena putrefacção e ainda um restaurante de frangos no churrasco onde homens – não mulheres, excepto nós – se sentam toda a noite vendo futebol e video-clips de cantoras libanesas descascadas e feitas de plástico.

Sento-me numa loja de cassetes (sim, por aqui o povo ainda adquire as ancestrais cassetes!) e cds esperando o chá que eu sei que vem imediatamente parar à minha mão. Ando à procura de novas canções para coreografar – ensinar em aulas e workshops – e para actuar. São ambos campos diferentes, completamente diferentes. As músicas que escolho para o meu espectáculo de cá ao vivo nada têm a ver com as que eu vou buscar para ensinar.

O dono da loja pergunta-me o que procuro e eu respondo: Tudo!
Oriental clássico, folclore, percussão, canções antigas libanesas que se adaptem à dança, shaabi, baladi, tudo o que seja de qualidade e fale deste país com olhos de verdade e carinho!
Uma pilha de cds e cassetes começa a formar-se na minha frente enquanto bebo o meu chá “masbout”, mais doce que o mel e tão pesado que eu posso jurar que é beduíno (o chá beduíno tem um sabor extremamente forte e adocicado).
Apercebendo-se que existe um novo bife estrangeiro na área – embora me confundam, cada vez mais, com as egípcias devido ao meu árabe fluente e à forma “baladi” que adoptei dos locais com quem convivo e que observo atentamente – começam a surgir rapazes de lojas vizinhas apenas para olhar para mim. Isto seria o suficiente para ter um ataque de nervos aqui há uns tempos atrás mas já desisti de me irritar e lutar contra a maré. Se não os podes vencer, junta-te a eles, lá diz o nosso prático e sábio povo português!

*** Warda, Nagat, Fairouz, Mohamed Roushdy, Mohamed Abdul Wahab, Abdel Halim Hafez, até canções antigas da minha querida Om Kolthoum…um desfile de jóias e delírios musicais para os meus ouvidos. Estou no céu.
Acabo por seleccionar canções imprevistas.
Uma nova música núbia da qual farei um “tableau” de dança com os meus bailarinos... um solo de tabla que espero poder editar para coreografar e ensinar, mais dois temas que desconhecia de Om Kolthoum que avaliarei testando se são “dançáveis” ou apenas criados para os ouvidos...
E um tema de Abdel Halim Hafez, outro de Warda – Asmahouni – que já conhecia mas nunca tinha dançado. O mundo da música árabe aberto e escancarado aos meus pés no meio de um círculo de rapazes que me observa perguntando entre si para que raio quer esta estrangeira tanta música nossa!

*** Regressamos a casa com sacos cheios de coisas que não poderia ter encontrado no melhor centro comercial do Cairo e eu preparo-me para os espectáculos da noite.

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*** Mulheres à beira de um ataque de nervos (singela homenagem a Pedro Almodóvar, o director de cinema que compreende as mulheres melhor do que elas se compreendem a elas próprias):


*** Enquanto me arranja um dos trajes que precisa de um toque nos bordados, a minha assistente – senhora Nagle – desabafa comigo informando-me de um dilema típico das mães egípcias e árabes: casar a filha ou não casar, eis a questão.
Espera-se que um filho homem estude, seja ambicioso e arranje um bom posto de trabalho que lhe traga “status” , dinheiro e uma esposa correspondente ao “standard” económico que ele atingir. De uma filha espera-se que estude o menos possível – para não lhe corromper o cérebro,tornando-a demasiado rebelde e pouco apta para casar e ser a dócil, obediente esposa que se espera que seja – e que arranje um bom marido (bling, bling...) enquanto está na idade de ser escolhida. Um pouco como a fruta na altura de ser colhida. Ou se apanha quando está madura ou se deixa apodrecer. Assim são vistas as mulheres.

*** A filha da Nagle tem 17 anos e está a “stressar” porque não quer ficar velha, deixar passar as oportunidades de casamento que lhe estão a surgir agora e acabar como os seus tios, solteiros e alvos de escárnio e pena.
A Nagle explica-me que uma rapariga da idade da Heba – o nome da filha casadoira – não pode perder tempo nem ser demasiado “esquisita” na hora de aceitar a proposta de um potencial marido porque, atingindo os 23-24 anos (idade máxima para o casamento de uma mulher), os pretendentes que caíam do céu desaparecem subitamente e para a eternidade.

*** Um dos pretendentes mostra o apartamento que ele diz ser seu à Nagle, o carro que está a pagar em prestações e o dote que poderá pagar pela mão da sua filha. A Nagle queixa-se de que o apartamento – para lá de onde Judas perdeu as botas! – é demasiado longe da civilização e que a filha vai entrar em paranóia sem poder ir aos centros comerciais, McDonalds e cafés modernos onde a juventude egípcia gosta de pairar (quando os pais o permitem ou às escondidas, sempre em busca de um potencial marido/esposa desde a mais tenra idade).
Ele responde-lhe que existe a entrega de tudo o que ela possa desejar ao domicílio. Nem precisa de sair de casa e expôr-se aos olhares lascivos dos homens que por aí andam sem rumo e sem mulher.
Uma mulher-esposa que se preze reduz, ao máximo, as vezes que tem de sair de casa ( em oposição à mulher ocidental cujo padrão de sucesso e realização pessoal passa pelo trabalho, produtividade e lazer fora de casa) e o potencial marido afirma-se generoso providenciando tudo o que a rapariga possa desejar, tudo à distância de um telefonema.

*** A mãe – Nagle – carrega a fotografia de vários pretendentes no seu telemóvel e mostra-os à filha que lhe responde, abnegadamente, “faz o que achares melhor”.
Ela quer apenas um marido, uma casa, filhos, sopas e descanso. O retrato típico da mulher egípcia que ainda não percebeu que, muito provavelmente, se verá encurralada num casamento sem amor nem laços de qualquer espécie, uma catrefada de filhos e uma dependência económica e legal que a prenderá anos sem fio a uma casa, um homem e um destino amargos.
No entanto, se a opção for arriscar ficar solteira, ela não pensa duas vezes em lançar-se nos braços do primeiro desconhecido que lhe queira saltar para cima (legalizando o desejo e a lascívia com o casamento).


*** Assusto-me com isto que ela me conta porque sei que é verdade. Ela própria, mulher trabalhadora que sustenta sozinha um marido doente e acamado e tres filhos que não a auxiliam em nada, parece ser o exemplo de tudo o que uma mulher egípcio não deve ser: Activa. Independente. Trabalhadora. Mais que tudo, LUTADORA (uma qualidade na sociedade ocidental mas um defeito nas sociedades árabes onde as mulheres se querem passivas, submissas e o mais depententes possível).

*** Eu abstenho-me de comentar a situação. Ou se casa com um dos pretendentes que nunca sequer falaram pessoalmente com ela e arrisca encurralar-se num molho de bróculos negros do qual não poderá sair mais tarde ou prossegue os seus estudos e se coloca na vulnerável posição de solteira, correndo o outro risco de assim permanecer para sempre (o pior destino de todos para uma mulher tipicamente egípcia).

*** A Nagle fala-me destes e de outros dilemas que assolam milhares e milhares de raparigas árabes. Eu não sei que dizer porque não existem respostas definitivas nem podemos prever o futuro. Cada um de nós tem as suas condicionantes e eu não poderia comentar ou compreender a frustração de uma rapariga egípcia que, aos 24 anos, vê o seu rótulo de validade expirado como um produto abandonado na estante do supermercado.

*** Tento compreender estas realidades mas não o consigo fazer na totalidade. Vou tentando...
Cairo, dia 4 de Julho, 2009

“Workshop com Raqia Hassan e actuações do coração”



*** Os workshops de Raqia Hassan – criadora e directora do festival mundial do Cairo, “Ahlan Wa Sahlan” – nunca me desapontam. Na pior das hipóteses, é maravilhoso ver como esta professora se educa a ela mesma (observando outras bailarinas com a minúcia de um cirurgião) e nunca deixa de dançar mostrando o que de mais humano existe nela.

*** Este workshop não foi excepção. Não posso dizer que aprendi novos movimentos ou vi uma coreografia genial mas aprendi de outras formas e tive esse prazer raro de ver alguém dançar com gosto e de coração aberto, sem se preocupar com os anos que tem em cima ou com as gordurinhas extra (ou outras indelicadas verdades de facto que não interessam para nada quando se dança mesmo bem!).

*** A sala estava apinhada de gente de tal forma que raramente vi os movimentos que estavam a ser feitos mas, conhecendo o vocabulário típico desta professora, pude deduzir o que estava a ser feito e assim seguir o workshop que resultou mais da minha perspicácia em deduzir o que não vejo do que de qualquer ourtra coisa...
A canção escolhida era fantástica, como sempre. A Raqia tem um ouvido inteligente, sabendo muito bem escolher músicas modernas e com conteúdo romântico – potencial expressivo – que sirvam para a Dança Oriental.
A escolha recaíu em Wael Ghassar, cantor libanês que se parece com uma lagarta das couves.

*** Estes workshops servem-me como “revisão da matéria dada”, como exercício de humildade (lembrar-me e relembrar-me de que sei muito pouco, apesar do conhecimento, experiência e mérito acumulados) e como inspiração para as minhas próprias coreografias embora eu tente sempre fazer o oposto daquilo que está a ser feito no momento (sempre fui contra as marés...). Treino, diversão, prazer de ver alguém dançar com paixão e momentos em que algo essencial é dito, fazendo a diferença na forma como danço e vivo daí em diante.

*** “ Vocês devem dançar o significado da canção e não apenas o seu ritmo e melodia. Uma canção é composta por uma história, uma letra que conta algo que vocês não podem ignorar. Quando dançam, deverão saber o que está a ser dito e transmiti-lo com os vossos movimentos, sentimento sincero e expressão.”

Isto foi o mais importante que já alguma vez ouvi a Raqia afirmar. A questão da interpretação das músicas não é nova para mim que vivo e actuo no Cairo onde nos exigem essa mesma interpretação de músicas tão complexas como as de om Kolthoum. Também não é um conceito novo para as alunas que já estudaram comigo porque o friso incessantemente e, no entanto, não deixo de surpreender-me com esta nota importante proferida a meio de um workshop apinhado de alunas que estão mais interessadas em memorizar passos para mostrar ao mundo do que em APRENDER o que significa DANÇAR.

*** É comum ver-se, no mundo inteiro, a prática de Dança Oriental sem qualquer conteúdo ou interesse (no meu ponto de vista) precisamente porque se trata de um amontoado de passos e movimentos sem conteúdo que nada querem dizer. O idioma em que as canções são cantadas – árabe, na maioria dos casos – também é uma dificuldade acrescida porque existem milhões de bailarinas por esse mundo fora que não falam árabe mas este é um obstáculo que TEM de ser ultrapassado.
Sugiro que peçam a quem sabe árabe para vos traduzir as músicas que pretendem dançar, busquem significados e informação na internet, não se fiquem pela rama daquilo que é, afinal, uma dança que conta histórias do coração e da alma!

***ACTUAÇÕES DA NOITE NO FESTIVAL “AHLAN WA SAHLAN”

*** Um amigo meu chamou ao Festival a “Convenção do Silicone” (ri-me tanto com esta...) e a denominação não poderia ser mais acertada. Algo está a perverter-se e eu não posso deixar de me assustar com tudo o que vejo.

*** O mundo da Dança Oriental – tanto a nível local como internacional – tornou-se, infelizmente, num aquário de grandes peixes (muitos sem talento), lobbies e amiguismos onde existe pouco espaço para o culto da ARTE em si mesma.
O espírito da dança transforma-se, a olhos vivos e até num evento que visava dignificar a dança oriental, num exercício mercantilista onde uma minoria faz fortunas à custa da ignorância alheia. Triste.

*** Assim sendo, o que antes era um palco apenas para profissionais, tornou-se uma montra de exibição de “marketing” dos que sabem o que estão a fazer e dos que não têm a mínima ideia do que é um passo de dança. O sistema de actuações do Festival rege-se por um pagamento que qualquer pessoa pode efectuar sendo que, em troca desse dinheiro, o palco ( e o nome com a publicidade que a ele vem agregado) do evento passa a ser seu. A qualidade ou o nível da pessoa que se apresenta não são questionados, basta que pague o que lhe é pedido. Isto dá origem, logicamente, a exibições que mais parecem pesadelos ou episódios cómicos de mau gosto... e, no entanto, o vil metal continua a rolar, a entrar, a entrar e a delapidar o que levou quase 10 anos a construir (o Festival de Raqia Hassan celebra o 10º aniversário).

*** Alunas de todos os níveis apresentando-se como profissionais ( lançando a mensagem perigosa de que “qualquer um pode vestir um traje e fazer a macacada que desejar e assim ser chamado de profissional ), “profissionais” que não sabem distinguir um passo do outro, personagens estranhos que ali caem do céu tentando vender o seu peixe totalmente fora de contexto (como um mexicano de “sombrero” monumental que se apresentou tocando uma flauta peruana misturada com tabla egípcia perante as mil bocas abertas e um silêncio sepulcral de quem não está a entender nada do que ele ali se está a passar...), “freaks” de todas as espécies montando números que o próprio “Cirque du Soleil” classificaria de exóticos e absurdos...um desfile de tudo menos bailarinos e, no entanto, com pontos de luz inesperados...

***Eu estou sentada com dois amigos egípcios – também bailarinos – e com a Souheir (actual professora de dança e anteriormente, uma das grandes estrelas da Dança Oriental na Argentina) que mantém uma esperança admirável na perspectiva de ainda podermos ver alguém DANÇAR. Dançar, mesmo. Nada de números circenses ou mexicanos de pífaro peruano na boca (nada contra!), apenas DANÇA.
Será muito difícil pedir isto quando estamos em pleno Festival Mundial de Dança Oriental do Cairo?!
Depois de quatro anos de vida no Cairo, a esperança em sonhos destes é algo que já tendi a perder, substituindo boa vontade por cinismo e uma descrença total na possibilidade de, a esta hora do campeonato, ainda ver alguma coisa que valha a pena.
Um casal de chineses senta-se na nossa mesa e a rapariga reconhece-me. Abraça-me e pergunta-me se sou eu a Joana. “Sim, sou eu mesma” (diz que sim!).
Ela inumera as vezes que me viu actuar – Festival do Nile Group e shows do Cairo – e banha-me com elogios e carinhos tão exagerados que soaria mal repeti-los aqui. Eu sinto-me feliz e agradeço. Sabe tão bem receber um feed-back sincero do nosso talento, trabalho, suor, risos e lágrimas!

*** E, de repente, quando eu já estava a arrancar os meus próprios cabelos e a cantar heavy metal em mandarim, eis que surge a senhora que salvou a noite (na minha perspectiva):
Uma senhora americana de setenta e tal anos com mobilidade muito reduzida – devido a doença, idade, condição física visivelmente debilitada – e uma auto-confiança invejável que subiu ao palco com “sagats” e me deu os únicos minutos de prazer de todo o serão.
Devo dizer, a bem da verdade objectiva, que a senhora praticamente não se moveu mas o prazer e a confiança que emanava do movimento mínimo que fazia eram suficientes para nos fazer sentir a música, provocar-nos, tocar-nos, captar a nossa atenção através das amarras raras da alma.
As reacções da maioria dos presentes –bailarinas jovens com a arrogância que só a ignorância pode causar – foram negativas e até de deboche. A senhora manteve-se totalmente imune ao escárnio daqueles que julgam saber mais e melhor e que a vêem como uma louca sem noção da sua idade ou condição física e eu admirei-a do fundo do meu coração. As lágrimas vieram-me aos olhos por várias razões:

Primeiro que tudo, adoro ver uma mulher com M grande. Uma mulher que não pede desculpa por ser quem é, pela sua idade, condição ou aspecto físico ou outras aparentes condicionantes que impedem tantas mulheres de serem elas mesmas e darem tudo o que poderiam dar ao mundo.
Segundo, adoro ainda mais uma pessoa corajosa e auto-confiante, capaz de se manter sólida e em paz no seu propósito (mesmo face ao escárnio do público que a vaiou e se riu dela).
Terceiro, a capacidade de emocionar e tocar o coração da audiência não está, uma vez mais o comprovo, na quantidade de movimentos que se fazem ou tão pouco na técnica elaborada que alguém exibe. Sem se mexer mais que alguns centímetros e com um leque de movimentos reduzidíssimo, esta senhora transmitiu aquilo que todas as outras “bailarinas” jovens não tinham conseguido transmitir, distraídas com os seus corpos tonificados, o silicone e o brilho dos trajes que levam como se fossem para um desfile de moda.
A mensagem de que todos, em qualquer idade, podemos produzir ARTE – mesmo que se trate de uma bailarina e, por isso, dependa do corpo e da sua forma física – e ir ao encontro do que é essencial: EXPRESSAR O SENTIMENTO E A ALMA DA MÚSICA QUE SE INTERPRETA.

*** Curiosamente, ou nem tanto, a senhora do escárnio geral veio sentar-se na minha mesa e começou a conversar espontaneamente com a minha amiga Souheir que a felicitou pela bonita dança e pela sua coragem.
“A dança salvou a minha vida, sabe?!” – Disse a senhora à Souheir, ainda recuperando da actuação tão “sui generis” que ela nos oferecera.
“O meu médico foi bastante claro comigo. Ele disse-me que recuperei das minhas operações por causa da dança e da minha vontade de me movimentar. Senão fosse por isso, eu estaria imóvel até hoje.” – Continuou a senhora com as lágrimas prontas a caír-lhe dos olhos cansados.

*** Eu escutei a conversa mas mantive-me à sua berma sem comentar nada da história da vida que ela, entretanto, começou a desfiar como se nos conhecesse intimamente.
Não pude deixar de pensar no poder fantástico desta senhora, no seu exemplo de força e auto-confiança, nessa lembrança útil de que o amor pelo movimento e pela dança nos podem salvar porque são formas poéticas de lutar pela vida.

*** Alimento para a ALMA (detalhe fantástico da noite):
Enquanto via a senhora – heroína, heroína... – brilhando com toda a sua alma no palco, pensei na energia que a maioria das bailarinas perdem questionando os detalhes do seu corpo, imperfeições, peso e medidas com calorias recheando os seus pesadelos e carregando a sua dança de energia negativa que tira o brilho àquilo que deveria ser puro PRAZER.
Ali estava esta senhora de setenta anos e as rugas que lhe pertencem por direito de vida vivida, uma barriga monumental e uma cintura inexistente ladeada de braços querubinos mais rechonchudos que as beldades renascentistas de Rubens e, no entanto, uma LUZ imensa que vinha do facto de ela se sentir bem com ela mesma, aceitando totalmente tudo o que a compõem e transformando aparentes defeitos em puras obras de arte da natureza como montanhas esculpidas pelo tempo, ventos e tempestades.
MARAVILHOSO e uma chapada de luva branca para todos os bailarinos – artistas em geral – que se desfazem em esforços ténicos e estéticos, esquecendo-se de que o amor próprio e a capacidade de transmitir o que nos vai na Alma não passam pelos códigos de beleza estabelecidos por cada sociedade.
A arte está além, muito além do superficial mundo de modas, pressões psicológicas e torturas dirigidas ao feminino que deixa de valorizar o que há de único em cada uma de nós e se preocupa em contar calorias.
Uma lição (mais uma!) vinda de onde menos se espera.
Cairo, dia 11 de Julho, 2009

“Dúvidas e como correm as notícias na boca dos ventos...”

*** Nunca páro de me impressionar com a rapidez com que voam os boatos – baseados em verdades ou puras malícias – num meio tão provinciano como o Cairo. Dizem que esta cidade é uma das mais populadas do mundo e a prova disso está, a cada segundo, quando se sai à rua e se vê gente e gente e gente (embora pouca humanidade)...como será possível que, antes de eu mesma o ter assumido, a minha transferência para o famoso “Nile Maxim” já seja do conhecimento comum de todos aqueles com que me cruzo, sejam eles amigos, outros bailarinos ou simples desconhecidos que sabem o meu nome mas, supostamente, nada sabem acerca de mim?!
Antes de eu sonhar o que vai acontecer, meio mundo já parece sabê-lo. Desconcertante!

*** Tive o cuidado de guardar esta informação para mim para não atraír maus olhados e falatórios que cubram a minha estreia de maus presságios mas foi impossível guardar segredo. A partir do dia em que fiz o espectáculo de audição – quando ainda tudo estava por decidir – era sabido por todos os que me rodeavam que eu seria transferida – como os jogadores de futebol – para o meu novo clube, o famoso “Nile Maxim” onde me colocarão em directa parceria e competição com dois pesos pesados deste meio artístico : Asmahan (bailarina argentina que actua no Egipto há cerca de 20 anos!) e Randa Kamel ( com o mesmo tempo de trabalho no Cairo e a egípcia mais apreciada por estrangeiros de todo o mundo).

*** Recebo avisos que não pedi de conhecidos que me aconselham a trabalhar para “estar “à altura” do acontecimento (tradução: “vais ter de dar ao badalo de forma a estar à altura das bailarinas conhecidas que lá estão!” ). Encolho os ombros e sigo em frente. Se os conselhos fossem realmente úteis, vendiam-se, não se davam. É certo.

*** Apenas quem nunca me viu actuar poderá pensar nestes termos e em competição. As minhas dúvidas e medos não se prendem com as bailarinas que lá estão mas com o que eu própria me proponho alcançar para minha realização pessoal. Nada nem ninguém me critica tão ferozmente como eu mesma.
Quero suplantar-me a mim mesma, subir um – vários! – degraus na minha evolução como artista e pessoa, é apenas esse o desafio. Competir comigo mesma (a ideia que tenho do melhor de mim mesma!) tem sido a minha mais preciosa arma mas também motivo de sofrimento e auto-crítica.

*** Tentanto contrariar a tendência cada vez maior de apresentar aparato e originais números circenses em vez de DANÇA e ALMA, dou voltas à cabeça formulando e reformulando um programa que diginifique este passo maravilhoso que agora dou. Tenho uma orquestra maior e bailarinos à minha disposição
( investindo dinheiro mas ganhando possibilidades criativas), uma estrutura de espectáculo que me permite apresentar mais e com mais tempo e, além de tudo isso, um local conceituadíssimo onde a exposição do meu trabalho será mil vezes maior do que tinha sido até aqui.

*** Sei que nada me veio parar às mãos por sorte. Tanto trabalho, perseverança, coragem e talento serviram um intuito maior e sei que Deus me possibilita tudo o que tem acontecido até agora mas não deixei nada ao sabor do acaso e da chamada “sorte” que parece não me bater à porta por dá cá aquela palha!

*** Tenho dúvidas, muitas dúvidas. Por vezes, duvido que saiba dançar e que tudo isto seja um sonho do qual acordarei, subitamente, apenas para descobrir que sou uma arquitecta (como o meu pai gostaria que eu fosse!) ou uma engenheira (nº 1 no ranking paterno ) vivendo em Lisboa com marido frequinho a lua-de-mel e um puto cor-de-rosa de 2 meses agarrado à mama.

*** Serei capaz de corresponder às minhas próprias expectativas?! Conseguirei ficar imune às armadilhas e trafulhices que me serão lançadas assim que o “feed-back” do público comece a ser demasiado positivo e o meu nome a ser requerido mais do que o dos nomes instituidos?!
Tenho dúvidas e receios. Por vezes, toda esta empresa que me propus enfrentar me parece demasiado grandiosa para alguém que não passa por cima de ninguém para seu próprio benefício ou se rende às máfias que lançam nomes noss mercados e transformam casos vazios em casos de popularidade. Este meio sujo jamais me pertenceu e, no entanto, já cheguei tão longe e já investi/aprendi tanto que seria absurdo lançar a toalha ao chão e deixar cair os braços em momentos como este.

*** Num mundo injusto onde não são os mais talentosos nem inteligentes a reinarem, fico sem ideia da forma como cheguei até aqui.
Num mundo em que as pessoas se relacionam umas com as outras por puro interesse de carreira, fico desorientada perguntando-me se estou no sítio certo.
Num mundo onde prostitutas são promovidas a super-stars e mulheres honestas são apelidadas de “tontas”, fico sem rumo e ideia de como sobreviver no meio da lama sem me deixar contaminar.

*** Como cheguei até aqui? E como reúno forças para continuar sempre dando mais, contornando um meio poluído que não reflecte quem eu sou?!
Deixo tudo nas mãos de Deus e a ele me rendo. Nada mais a dizer.
Afinal, foi assim que cheguei até aqui.

Tuesday, July 14, 2009

Cairo, dia 10 de Julho, 2009


"Backstage e memorias de Portugal!"



O que se passa antes e depois de cada show acaba por ser tao ou mais importante do que o show em si mesmo. Todo o trabalho, pensamento, energia e criatividade envolvidos na criacao de espectaculos que devem ser renovados constantemente (agradeco ao mercado do Cairo que assim cria uma maquina mais ou menos oleada de manufactura rustica de espectaculos) juntam-se aos ensaios, ideias de trajes que devem ser sempre novos e surpreendentes, programa e coreografias de bailarinos a serem construidas e uma fe imensa de que, apesar da total falta de apoios e de um mercado em decadencia, o meu trabalho tem uma repercussao no meu publico e dele recebera sempre aplausos sinceros. Por isso estou grata.
Estas fotos de camarins expressam um pouco desses momentos de nervos e excitacao em que me concentro, canto com a minha orquestra, ensaio os ultimos passos com os meus bailarinos e conto as anedotas mais parvas para ver se o ambiente se desanuvia e eu tremo um pouco menos. Nunca se perde o medo de falhar, de nao ser suficientemente talentosa, interessante, competente, bonita, carismatica, SUFICIENTE! Por mais provas de reconhecimento, elogios sinceros e percurso percorrido que se tenha, o medo de falhar nunca me deixa. Nada de bom ou mau, talvez um pouco dos dois. O medo de falhar obriga-me a crescer...














E estas sao imagens de um dos ultimos shows que fiz em Portugal. Nada de orquestra ou bailarinos, nada do meu querido publico egipcio mas muito amor em tudo o que apresento.
Uma jornalista perguntou-me, um dia, se o meu trabalho era pessoal. Claro que sim, sempre. Tudo, absolutamente tudo o que danco, coreografo, ensino, escrevo ou canto passa pela minha vida pessoal e da minha vida se alimenta.
Quando olho para estas fotos, tenho consciencia do longo e intenso caminho percorrido desde a altura em que comecei a trabalhar em Portugal - ja la vao 8 anos!!! - ate ao ponto em que me encontro, actuando com a minha orquestra e bailarinos num dos locais mais conceituados do Cairo (talvez o mais conceituado e popular actualmente) ao lado de bailarinas como Asmahan e Randa Kamel...meu Deus...que viagem!

Nada me tem sido dado de mao beijada. Nada. A luta tem sido continua e sem treguas mas agradeco a Deus o talento, saude e coragem para tudo o que tenho vivido.

Eis imagens de amor, arte e memorias do local onde eu nasci.