Cairo, dia 11 de Julho, 2009
“Dúvidas e como correm as notícias na boca dos ventos...”
*** Nunca páro de me impressionar com a rapidez com que voam os boatos – baseados em verdades ou puras malícias – num meio tão provinciano como o Cairo. Dizem que esta cidade é uma das mais populadas do mundo e a prova disso está, a cada segundo, quando se sai à rua e se vê gente e gente e gente (embora pouca humanidade)...como será possível que, antes de eu mesma o ter assumido, a minha transferência para o famoso “Nile Maxim” já seja do conhecimento comum de todos aqueles com que me cruzo, sejam eles amigos, outros bailarinos ou simples desconhecidos que sabem o meu nome mas, supostamente, nada sabem acerca de mim?!
Antes de eu sonhar o que vai acontecer, meio mundo já parece sabê-lo. Desconcertante!
*** Tive o cuidado de guardar esta informação para mim para não atraír maus olhados e falatórios que cubram a minha estreia de maus presságios mas foi impossível guardar segredo. A partir do dia em que fiz o espectáculo de audição – quando ainda tudo estava por decidir – era sabido por todos os que me rodeavam que eu seria transferida – como os jogadores de futebol – para o meu novo clube, o famoso “Nile Maxim” onde me colocarão em directa parceria e competição com dois pesos pesados deste meio artístico : Asmahan (bailarina argentina que actua no Egipto há cerca de 20 anos!) e Randa Kamel ( com o mesmo tempo de trabalho no Cairo e a egípcia mais apreciada por estrangeiros de todo o mundo).
*** Recebo avisos que não pedi de conhecidos que me aconselham a trabalhar para “estar “à altura” do acontecimento (tradução: “vais ter de dar ao badalo de forma a estar à altura das bailarinas conhecidas que lá estão!” ). Encolho os ombros e sigo em frente. Se os conselhos fossem realmente úteis, vendiam-se, não se davam. É certo.
*** Apenas quem nunca me viu actuar poderá pensar nestes termos e em competição. As minhas dúvidas e medos não se prendem com as bailarinas que lá estão mas com o que eu própria me proponho alcançar para minha realização pessoal. Nada nem ninguém me critica tão ferozmente como eu mesma.
Quero suplantar-me a mim mesma, subir um – vários! – degraus na minha evolução como artista e pessoa, é apenas esse o desafio. Competir comigo mesma (a ideia que tenho do melhor de mim mesma!) tem sido a minha mais preciosa arma mas também motivo de sofrimento e auto-crítica.
*** Tentanto contrariar a tendência cada vez maior de apresentar aparato e originais números circenses em vez de DANÇA e ALMA, dou voltas à cabeça formulando e reformulando um programa que diginifique este passo maravilhoso que agora dou. Tenho uma orquestra maior e bailarinos à minha disposição
( investindo dinheiro mas ganhando possibilidades criativas), uma estrutura de espectáculo que me permite apresentar mais e com mais tempo e, além de tudo isso, um local conceituadíssimo onde a exposição do meu trabalho será mil vezes maior do que tinha sido até aqui.
*** Sei que nada me veio parar às mãos por sorte. Tanto trabalho, perseverança, coragem e talento serviram um intuito maior e sei que Deus me possibilita tudo o que tem acontecido até agora mas não deixei nada ao sabor do acaso e da chamada “sorte” que parece não me bater à porta por dá cá aquela palha!
*** Tenho dúvidas, muitas dúvidas. Por vezes, duvido que saiba dançar e que tudo isto seja um sonho do qual acordarei, subitamente, apenas para descobrir que sou uma arquitecta (como o meu pai gostaria que eu fosse!) ou uma engenheira (nº 1 no ranking paterno ) vivendo em Lisboa com marido frequinho a lua-de-mel e um puto cor-de-rosa de 2 meses agarrado à mama.
*** Serei capaz de corresponder às minhas próprias expectativas?! Conseguirei ficar imune às armadilhas e trafulhices que me serão lançadas assim que o “feed-back” do público comece a ser demasiado positivo e o meu nome a ser requerido mais do que o dos nomes instituidos?!
Tenho dúvidas e receios. Por vezes, toda esta empresa que me propus enfrentar me parece demasiado grandiosa para alguém que não passa por cima de ninguém para seu próprio benefício ou se rende às máfias que lançam nomes noss mercados e transformam casos vazios em casos de popularidade. Este meio sujo jamais me pertenceu e, no entanto, já cheguei tão longe e já investi/aprendi tanto que seria absurdo lançar a toalha ao chão e deixar cair os braços em momentos como este.
*** Num mundo injusto onde não são os mais talentosos nem inteligentes a reinarem, fico sem ideia da forma como cheguei até aqui.
Num mundo em que as pessoas se relacionam umas com as outras por puro interesse de carreira, fico desorientada perguntando-me se estou no sítio certo.
Num mundo onde prostitutas são promovidas a super-stars e mulheres honestas são apelidadas de “tontas”, fico sem rumo e ideia de como sobreviver no meio da lama sem me deixar contaminar.
*** Como cheguei até aqui? E como reúno forças para continuar sempre dando mais, contornando um meio poluído que não reflecte quem eu sou?!
Deixo tudo nas mãos de Deus e a ele me rendo. Nada mais a dizer.
Afinal, foi assim que cheguei até aqui.
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