Cairo, dia 14 de Agosto, 2009
“Do nada se faz tudo e um filme a não perder”
***Em processo de investigação e ensaios. Criando, sempre.
Isto de ser artista é uma forma de vida estranha...invade toda a nossa vida, varre tudo e todos à nossa volta.
Faltam meios (o vil metal, o vil metal!) para comprar novas músicas compostas para mim. Quanto mais se sobe e melhor se faz, mais se quer fazer. Lógica das coisas. Lógica dos que querem sempre dar de si, mais e mais, melhor e melhor.
A minha lógica.
Às vezes, meio na brincadeira e meio a sério, vou amaldiçoando a minha falta total de aptidões para a “real putaria” (desculpem o termo crú) tão comum no mundo das bailarinas do Egipto e de todos os artistas, em geral. Em troca de uma grande oportunidade de carreira, artistas que nós conhecemos e admiramos (quando já se consagraram e lá longe vão os dias em que tiveram de vender o corpo e a alma em troca do sucesso entregue de bandeja) prostituem-se, cedem nos valores que até achavam serem tão seus, esquecem quem são – ainda que por momentos – e lá se lançam eles nas suas carreiras e estrelato. Ninguém parece importar-se com o que fizeram debaixo dos lençóis (ou em cima, tanto faz!) antes de chegarem ao “topo”! O brilho do sucesso cega o público. Não interessa o que existe por trás desse brilho.
Eu não tenho esse gene da devassidão e dou cabeçadas na parede por isso. J
*** Existe uma série de compositores/letristas com quem quero trabalhar aqui no Cairo. Pessoal da velha guarda, artistas na rectaguarda de bailarinas como a Nagwa Fouad (a que sempre teve as melhores músicas e “tableaus” do mercado egípcio), Fifi Abdou, etc. Todos eles cobram balúrdios pelo seu trabalho porque fazem parte de um sistema mais que conhecido no qual as bailarinas se prostituem ou casam com homens de negócios e multi-milionários que nelas investem e que lhes pagam trajes luxuosos, jóias, apartamentos e afins, orquestras de primeira classe e músicas. O dinheiro que, em regra geral, estes compositores e letristas recebem não é gerado pela dança em si mas pela “cama” (legalizada pelo casamento ou não).
*** Como lutar contra o sistema?! E como seguir fazendo omeletes sem ovos?! Dou graças a Deus por onde estou mas, agora que aqui cheguei, existem outros degraus a subir e o dinheiro – ou a falta dele – para investir em material de dança/canto parece ser um obstáculo deveras frustrante.
Pessoal que nasceu de gente humilde – como eu – está habituado a fazer muito do pouco que se tem. A comida alentejana é exemplo disso. De ervitas e pão duro se faz uma açorda fenomenal.
Aqui ando eu fazendo açorda atrás de açorda, explorando ao máximo a minha imaginação e talento de forma a que a falta de dinheiro para investir em grande não seja tão significativa.
*** Não sou músico, sou bailarina e actriz. São esses os trabalhos para os quais estudei e para os quais estou preparada. No entanto, vejo-me a editar músicas, colando daqui e dali e criando novas composições com memórias de melodias que escutei, provavelmente, num táxi qualquer ou num café de rua. Orquestro a minha banda e rebusco canções do início do século que eu dançarei e cantarei. Há que lhes dar uma volta, actualizá-las. Sento-me com o orgão, o acordeão, a flauta nay, kanun. Todos me olham em reverência e esperando respostas. Eu, de entre eles, sou a que menos percebe de música (supostamente) mas é de mim que se esperam respostas e soluções musicais. O.k, vamos a isso! Se eu não o fizer, mais ninguém o fará e nada me irrita mais do que a imobilidade.
Que loucura!
*** Filme a não perder:
“2 Filhos de Francisco”, a história de Zezé di Camargo e Luciano (dupla sertaneja muito conhecida no Brazil).
Este filme foi uma surpresa maravilhosa que me foi dada a conhecer pela minha amiga Souheir, digna representante do nosso clube secreto (não tão secreto a partir deste momento!) a que eu chamei “Clube das Guerreiras Ováricas” (todas as mulheres – e homens – que vivem a vida a 100% com coragem e sempre a partir do coração e da alma).
O filme conta a história real destes cantores e todo o seu percurso de vida ilustra aquilo que eu sempre acreditei: talento, fé, persistência, muita luta e coragem e... amor no coração são ingredientes mais que suficientes para a realização dos nossos sonhos.
A personagem mais marcante do filme é o pai da dupla, principal motor de toda a sua carreira e aquele que nunca deixou de acreditar no poder avassalador dos sonhos que se vivem com toda a alma. Se todos os pais do mundo acreditassem nos seus filhos como este personagem acreditou neles, tantos mas tantos guerreiros mais poderiam sair vitoriosos.
Um hino à coragem, à capacidade de luta pela vida, à fé no ser humano e em Deus. Estou apaixonada!
O filme está disponível em DVD.
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