Cairo, dia 4 de Agosto, 2009
“Tentando recuperar forças e compras “baladi”...o submundo onde vivem as cores reais do Egipto”
*** “Ukala”, “Hussein”, “Mercados antigos de Maadi”...
Existem actividades e locais no Cairo que fazem as delícias dos turistas e visitantes ocasionais e que, devido à minha vivência diária por cá, são o similar de pequenos infernos nos quais eu evito enfiar-me.
A familiaridade apaga tanta da magia a locais e pessoas com quem estamos em contacto constante.
O mercado de “Khan el Khalili” (inferno nº 1 no meu “ranking” pessoal), as famosas pirâmides de Gizé ( só estando louca ou a cavalo é que me aventuro nessa área povoada por mil melgas egípcias tentando impingir de tudo um pouco aos turistas), a baixa da cidade (assédio sexual brutal, barulho, trânsito constante e sujidade) e todo o tipo de mercados locais (baladi) aos quais, feliz ou infelizmente, tenho de recorrer de quando em vez.
*** Dia de compras “baladi” com a minha assistente. O roteiro completo :
*** “Ukala”, ou o mercado dos tecidos onde se pode encontrar roupa em segunda mão, materiais de costura e outras coisitas que fazem as delícias da vaidade feminina mas que, a mim, me aborrecem de morte.
O que adquiri: tecidos e materiais para os meus novos trajes e para a minha primeira pequena colecção de trajes de dança (preparem-se para as fotos aqui no BLOG!)
*** “Hussein”, ou “Khan el Khalili” onde se encontram quantidades assustadoras de turistas (eu já fui um deles mas tendo a esquecer-me disso!) e de outro tipo de melga egípcia que mistura assédio sexual com um falatório frenético lançado sem pudor aos nossos ouvidos tentando vender o que precisamos e o que não precisamos. Assédio sexual e comercial juntinhos num cocktail explosivo que, a um estrangeiro pode soar exótico e até engraçado mas que, para mim que já ouvi as ladainhas mil vezes, me soa como uma música de mau “heavy metal”.
O facto de eu entender árabe – em oposição aos estrangeiros que não o entendem – só piora a situação.
A minha assistente perde-se fascinada no meio das lantejoulas e dos trajes, dos lenços e dos bastões. O meu cérebro está focado naquilo que interessa: materiais para as minhas criações/trajes, músicas novas que eu possa incluir no meu espectáculo, o que quer que seja que enriqueça o meu trabalho.
Serei demasiado capricorniana?! Talvez, apesar da familiaridade e de entender os insultos velados lançados aos estrangeiros, eu pudesse usufruir um pouco mais deste pequeno “inferno” à face da terra mas ainda não o consigo fazer.
Prometo à minha assistente trazê-la, uma noite, ao “Hussein” que a mim me agrada. O café de Naguib Mahfouz, o meu café “baladi” que me foi dado a conhecer pelo meu querido professor Shokry Mohamed (infelizmente, falecido), o espectáculo dos derviches no palácio de “El Khoury” e outras delícias que se revelam como flores nocturnas.
O que adquiri:
Uma pequena crise de nervos protegendo-me a mim e à minha assistente que, apesar de ser egípcia, se encostou aqui à guerreira estrangeira para protecção e orientação.
Strass, lantejoulas, materiais diversos para trajes que estou a desenhar.
*** Mercados baladi de Maadi
E o caos aqui tão perto de casa. Eu nem fazia ideia!
Nada de turismo, pirâmides ou lantejoulas. Este é o mercado do povo e aquilo que ele procura está lá:
*** Vegetais e frutas (a frescura parece ser dispensável no que concerne estes bens). Nunca o “Kunami” (fruta pobre vendida como se fosse fresquíssima e exótica segundo um dos “sketches” dos Gato Fedorento!) ganhou tamanho significado e dimensão. O Cairo é o Rei absoluto do Kunami. Está declarado (e penso que se encontra na Constituíção Egípcia).
*** Carne e peixe de origens duvidosas e segundo os mesmos preceitos da fruta/vegetais kunami. A carne chega aos talhos vinda em táxis, bicicletas e todo o tipo de veículos não refrigerados que compensam a sua ineficácia com aquilo que os egípcios têm de melhor: o sentido de humor!
A carne e o peixe são mantidos às moscas e expostos nas ruas, bem como o pão que se espalha no chão como areia ou os mariscos que podem ser escolhidos a partir de um viveiro improvisado num alguidar lá de casa.
*** Lingerie egípcia ao seu melhor estilo “sex shop”. A gama completa para agradar ao marido/amante obscuro/ vizinho/ noivo com quem se tem encontros proíbidos antes do casamento e para festejar os célebres rituais das 5ª feiras à noite (altura em que as esposas dançam/seduzem os maridos partindo para aquilo que é, supostamente, uma noite de sexo com ou sem amor).
Plumas nos mamilos, girassóis guerridos nos sítios onde o sol não brilha, fetiches atrás de fetiches na forma de lingerie reflectindo – em grande escala e muito claramente – o estado da sexualidade neste país.
O conceito de sedução inexistente (proíbido por uma visão extremista do Islão) e a pornografia, em seu lugar, tomando um lugar cimeiro em todo o seu esplendor.
*** Roupas ousadas ao lado de “hijabs” usados para cobrir as cabeças das mulheres que se submetem a esse gesto considerado religioso e de respeito a Deus. O contraste e a contradição definem o Egipto desde tempos imemoriais e essa característica não se perdeu, como é óbvio pelo convívio absurdo entre repressão e libertinagem, entre uma cabeça totalmente coberta e uns jeans apertados que revelam cada curva e detalhe do corpo de uma mulher.
*** Artigos ligados ao Ramadão que está mesmo aqui à porta:
Nozes, figos, ingredientes para confeccionar as iguarias próprias desta altura sagrada do ano, lâmpadas do Ramadão (símbolo desta estação festiva), vestidinhos e fatos masculinos para crianças (as crianças recebem roupas novas nesta altura, um pouco como no Natal dos Cristãos), etc.
*** E eu correndo...
Correndo para finalizar todas as compras importantes antes de começar o Ramadão – dia 20 de Setembro – porque, assim que este comece, a preguiça que já é tanta no comum dos dias, atinge dimensões assustadoras e, pior que isso, encontra desculpa e apoio geral.
As lojas abrem tarde – se abrirem! – e ficam abertas em horários variáveis consonte a disposição do comerciante, os vendedores são mais lentos do que o normal devido ao jejum que cumprem até às 17.00h (hora aproximada de quebra de jejum) e nada do que se planeia se cumpre devido ao caos e lassidão gerais.
Pelo que já me apercebi, até o ginásio que frequento (“Gold´s Gym”) e que se pauta por coordenadas internacionais, fechará durante todo o dia funcionando apenas das 18.00h às 1.00h da manhã. Eu que até nem sou muçulmana tenho de cumprir o horário do jejum e mudar toda a minha rotina em função do mesmo. Isto (também) é o Egipto que eu amo.
*** Vá-se lá compreender o amor!
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