Tuesday, February 9, 2010


Cairo, dia 2 de Fevereiro, 2010

“Joana, a Louca”

Era uma vez uma rainha portuguesa de seu nome Joana e cognome “A Louca”...a história já se passou há muito, muito tempo atrás mas, de forma estranha, repete-se nas suas mais diversas formas.

Sempre defendi com unhas e dentes uma teoria cá das minhas:

Todas as semanas, as magestosas portas do Hospital de Abbasseya (no Cairo) se abrem para que os pacientes de demência mental saiam, livremente, daquela instituíção e se espalhem por essa cidade fora, misturando-se com outros cidadãos aparentemente “normais” com quem me cruzo todos os dias.

Soube pela minha assistente egípcia que, de facto, a minha teoria aparentemente absurda é real.
Foi notícia de alarme, há um par de anos atrás, o facto do dito famoso hospital para pessoas com problemas mentais abrir as suas portas de quando em vez para libertar todos os doentes por quem nenhum familiar perguntasse.
Parece que estes tornavam-se de tal forma um fardo para a instituíção que a única solução era deixá-los sair porta fora...sem rumo...sem destino...sem qualquer plano de vida ou condição mental para sobreviver nesta selva.

Faz todo o sentido.
Nunca na minha vida me cruzei com tanta gente louca e nunca na minha vida hesitei tanto no que se refere à minha própria condição mental.Parece que o convívio chegado e permanente com a demência nos elimina esse sentido lógico e crítico que nos faz suspirar em surpresa quando vemos um porco a andar de bicicleta.

Joana, a “Louca”...

Enquanto cantava na minha sala de estar, reparei que uma das minhas gatinhas estava atenta, colada à porta da casa.
Esta tinha sido uma extensiva sessão de fados...eu, ocupada com mil coisas e cantando, alegremente, sem sonhar que tinha um homem louco colado à minha porta, apreciando o concerto!

Um dos meus vizinhos é doente –não sei precisar do que padece, exactamente – e revela sérios sinais de demência mental. Já passámos da fase das esperas (ele dar-se-ía conta da hora em que eu regressava do trabalho e estaria colado ao elevador à minha espera) e da fase das frases de aproximação estranhas.

Depois de ter cantado por mais de uma hora, dirijo-me até à porta de casa onde a “Sweetie” está petrificada a cheirar e a olhar para o vazio e vejo que o meu vizinho “louco” está colado à minha porta, escutando-me cantar.

Qual a reacção natural de qualquer ser humano se fitar o dito “olho mágico” da sua porta e vir um louco de olhos esbugalhados aí colado?
Susto? Medo? Surpresa?


Qual a minha reacção?
Um leve suspiro de impaciência e o simples pensamento:
“Nada de mais...”

Quando alguém como eu acha este episódio “normal” e segue caminho como se nada fosse depois de ter apanhado um louco colado à sua porta escutando tudo o que se cantou dentro dessa casa desde sabe Deus quando começam a existir razões para preocupação.
Estarei eu louco quando a loucura alheia me parece já “normal”?
Estarei eu imune ao absurdo depois de o ter vivido tão frequentemente?

Como definir a loucura?
Quando será que as portas do Hospital de Abbasseya se abrirão, novamente, libertando mais uma fornada de gente mentalmente perdida que, por sua vez, se misturará no meio de todos nós desafiando os limites frágeis entre a sanidade mental e a loucura?!

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