Tuesday, February 9, 2010

Cairo, dia 3 de Fevereiro, 2010

“Assediada pela Polícia egípcia, uma vez mais...”



É, realmente, uma lástima que um país tão rico e belo esteja povoado como uma autêntica República das Bananas virada para lá do avesso de tudo aquilo que é lógico e saudável.

Ontem à noite fui sexualmente assediada, uma vez mais, pela Polícia egípcia ao regressar a casa depois de uma árdua noite de trabalho.
Já o disse muita vez e volto a repeti-lo sempre que seja necessário e até à exaustão: Aquilo que conquistei na minha carreira e o lugar onde me encontro neste momento poderá ser cobiçado por muita gente mas, na verdade, muito poucas pessoas poderiam enfrentar tudo o que enfrentei até hoje em prole da realização dos meus sonhos e do respeito que quero ver agregado à Dança Oriental e a toda a rica cultura que a sustenta.

As dificuldades da profissão são apenas um dos aspectos deste desafio de construir uma carreira no Egipto e internacionalmente.
As dificuldades com que lido no meu dia-a-dia conseguem ser tão corrosivas como aquelas que estão directamente associadas ao meu trabalho.

Ser assediada, às 3h da manhã, por um grupo de polícias que manda parar o táxi onde viajo e nos retém – sem razão – por meia hora de conversa fiada e muita gritaria da minha parte encontra-se na minha lista de experiências a evitar (e, no entanto, inevitáveis se vivemos no Egipto!).

Verificaram os meus documentos e os da minha assistente, ignorando o “check-up” mais importante que seria o do taxista e seu veículo (que, normalmente, carregam drogas e afins...bens dos quais a própria Polícia colhe dividendos).

Ouvi comentários de teor sexual e risadinhas macabras do lado de fora do táxi e o polícia decidiu estender a conversa depois de ter verificado que toda a documentação era válida.

Eu comecei a deitar fumo pelas orelhas, como é usual.
Muito zen, muito zen mas não deixem que me chegue a mostarda ao nariz porque vos sai uma bomba DAQUELAS!

Fitou as malas do trabalho e perguntou o que lá estava dentro.
Eu respondi-lhe que se tratava das minhas roupas. Ele perguntou-me que trabalho eu fazia. Eu disse:
-Sou artista.

Resposta insuficiente para o jogo macabro que o anormal queria prolongar.
Que tipo de artista (o termo BAILARINA vem expressamente escrito no meu cartão de identidade de trabalhadora no Egipto, o mesmo cartão que ele tinha nas suas mãos)?

- Artista. O senhor não sabe ler?! Olhe para o cartão que tem nas mãos e deixe-se de conversa fiada se não quiser problemas.

O polícia e o seu grupinho decidiram insistir no conteúdo das malas, enquanto se ouvia, entre eles, vários suspiros e palavras de teor sexual e ofensivo.

- Se quiser abrir as malas com a minha roupa, está à vontade mas saiba que vai directamente para uma estação de polícia comigo. A-G-O-R-A.

Ele parou, estupefacto e até encantado com a minha reacção assertiva.
Os homens de cá acham “piada” a uma “mulher de armas”! Tomam-na como algo exótico e divertido de observar e, no entanto, algo que lhes pode causar sarilhos.
Eu continuei, já sem paciência nenhuma para aquela palhaçada tão habitual entre os homens egípcios que consideram qualquer mulher livre uma prostituta:

- Diga-me o seu nome, por favor.
- Mohamed.
- Mohamed quê? Diga-me o seu último nome.


Foi neste momento que ele devolveu os cartões de identidade que tinha nas mãos e se recusou a identificar-se com receio que eu lhe causasse problemas.
Não só sou estrangeira como sou bailarina e isso siginifica várias coisas na cabeça de um polícia egípcio.
Sendo estrangeira, supõe-se que tenho mais direitos do os egípcios (uma falácia) e, sendo bailarina, supõe-se que sou prostituta e durmo com homens ricos e influentes (sendo que estas “ligações” com os pachás me trarão vantagens e protecção em casos como este).

Acrescentando mais uma fagulha ao fogo já aceso, ainda lhe disse em voz bem alta:
- Em vez de assediar mulheres que vêm do seu trabalho, porque não se ocupa de todos os traficantes de drogas que lhe passam pelas barbas e que você ignora?!
Faça o trabalho que lhe compete e não terá tempo nem disposição para assediar mulheres.

O taxista rogou, por amor de Deus, que eu parasse de falar e a minha assistente, como boa mulher egípcia que é, pediu desculpas de cabeça baixa e também me pediu que abandonasse o assunto.

A questão continua a ser a mesma:
Corrupção pura.
Desrespeito pela Mulher e pelo Ser Humano em si mesmo.
Preconceito e ignorância (qualquer mulher respeitável que se preze não anda na rua às 3h da manhã!).
Escuridão e injustiça.


De todas as coisas belas que tem este país, é pena que sejam criaturas como estas que o definem na sua dimensão mais comesinha e diária.
O turista que apenas passa por cá não tem a noção do que é, realmente, viver num país destes sendo MULHER LIVRE, ARTISTA,BAILARINA e HONESTA. Esta combinação é explosiva e vai contra todo o sistema.
Ter força para remar contra a maré não é para todos, por mais cobiça que os sucessos alcançados possa suscitar.

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