Tuesday, February 9, 2010

Cairo, dia 5 de Fevereiro, 2010

“Os deuses devem estar loucos”

Eu, Joana Saahirah Tânia VÁnessa de Vasconcelos e Pita d´Batata admito a mais vergonhosa e estonteante verdade:

Tenho escutado – sim, senhores do Júri“khallegi” em casa.
Prova, mais que clara, de que nunca devemos dizer “desta água não beberei”!
Prova, mais que clara, de que eu me transformei num ser híbrido, actualmente incompreensível para a espécie humana.

“Khallegi”
é a denominação que se dá ao estilo de música/dança dos países Árabes, nomeadamente, da Arábia Saudita onde este é praticado como uma forma de afirmação de identidade cultural (num mundo árabe muito pouco unido), convívio, evasão e sedução (as mulheres e os homossexuais sauditas são especialistas neste estilo de dança que executam, na generalidade, de forma provocativa e com um claro teor sexual).

Os egípcios nutrem um sentido de superioridade em relação aos outros países que os rodeiam neste mundo árabe que se tentou unificar mas que continua, indiscutivelmente, fragmentado por interesses que se opõem.
Nessa superioridade só o Líbano está próximo do Egipto. Também os libaneses olham os “outros”, os “árabes” (egípcios, libaneses e sírios não se assumem como árabes) com desdém, julgando-se intelectual e culturalmente superiores àqueles.

No que diz respeito à música, o Egipto é – sem dúvida alguma – o país mais rico de todos. Rico em complexidade e beleza musical e na sua diversidade.

A música e a dança “Khalleegi” entram no panorama quando “aqueles” árabes
(antigos beduínos sem rumo nem riqueza pessoal transformados em bilionários instantâneos após a descoberta do petróleo no seu território) invadiram o Egipto com o seu dinheiro abundante e a atitude de quem tudo e todos compra.

Do deserto, passaram para grandiosas mansões.
Da mais intrépida pobreza e de um estilo de vida duro e árido (deserto), passaram para a opulência extrema e para uma rotina de ócio ostensivo, consumo compulsivo – a roçar o ridículo - de bens de luxo e uma atitude de deboche que lançam à cara dos egípcios (justificando-se com os milhões que carregam nos bolsos e que lhes dão esse poder).

Tendo invadido o Cairo e as estâncias turísticas do Egipto com o seu farto capital, os “árabes” exigiram que aqui fosse recriado o seu mundo e, em especial, todos os deleites proíbidos que lhes são vetados por lei nas suas terras de origem.

Sempre que oiço um egípcio falar de árabes, existem vários elementos invariáveis (preconceitos com ou sem fundamento?!):

Os árabes são uns selvagens sem educação, moral ou quaisquer valores humanos que compram objectos e pessoas com o seu dinheiro. O capital é o seu único poder e eles fazem extremo uso dele.
Infelizmente, do contacto que eu própria tive com árabes, tenho de concordar com esta ideia feita.

Os árabes são os grandes
consumidores de drogas, bebidas alcoólicas e prostituíção. Com o seu dinheiro, corrompem tudo e todos.
Bem...aqui já tenho de discordar um pouco. É bem verdade que os árabes – homens e mulheres – vêm para o Egipto fazer tudo aquilo que não lhes é permitido por lei nos seus países e é também verdade que “desbundam” à grande.
Ambos os sexos procuram, avidamente, prostitutas/prostitutos e ambos povoam os “night-clubs” em busca de sexo, whisky e drogas mas...

Os egípcios não são comrrompidos pelos árabes neste aspecto. Os próprios egípcios estão corrompidos e também eles buscam prostitutas na rua e onde calhar, também eles consomem haxixe e outras drogas como se fossem tremoços e também eles bebem o que a sua religião não lhes permite quando a ocasião e o dinheiro o permitem.

Os árabes são vazios e sem
cérebro e, por isso, não sabem apreciar arte e boa música.
“Om Kolthoum?! Quem é Om Kolthoum?!”
Quando os afamados árabes invadem o Cairo – especialmente no Verão que eles consideram ser fresquinho por cá, quando comparado com os sítios de onde eles vêm – a música egípcia parece desaparecer para dar lugar ao “khalleegi”.
Os próprios músicos egípcios investem no reportório destes “invasores” porque sabem que isso lhes trará dividendos.

Vários pedidos me foram feitos no sentido de dançar “Khallegi” para um árabe ricalhaço que é meu admirador, para uma audiência com elementos da família real da Arábia Saudita, etc.
Sempre recusei estes pedidos.
Jamais dançaria algo com o qual não me sinto ligada, uma linguagem que não compreendo e não me diz absolutamente nada...como interpretar e dar sentido/amor a uma música que eu detesto – detestava?! – e não assimilo?!

A Arte Maior da música egípcia desaparece, durante os meses do Verão, para dar lugar à música “Khallegi” generosamente paga pelos abastados visitantes desse outro mundo, outrora beduíno (e agora, cosmopolita?!).

Também concordo com esta ideia feita. Trata-se de um facto, não uma ideia.
Falo apenas do meu ponto de vista, não querendo dizer que esteja absolutamente certa nas minhas opiniões.


De volta ao “khallegi” e ao meu mais recente vergonhoso costume:
Ouvir este estilo de música em casa e ainda considerar a hipótese de actuar sobre uma música de um famoso cantor da Arábia Saudita!
Quem me viu e quem me vê!

Eu, que sempre me recusei ouvir e dançar este estilo de música, começo a apreciá-los, ainda que em doses mínimas (devo dizer em meu favor).

Parte do crescimento avassalador de viver e trabalhar como bailarina no Cairo passa, também, pelas mudanças que em mim se dão sem o meu próprio consentimento ou sem que eu me aperceba.
Desconcertante.

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