Monday, September 3, 2012

Da paciência e outras escassas virtudes.



Tornou-se difícil - já para não dizer "impossível" - comentar os acontecimentos actuais do Egipto, especialmente no que concerne às Mulheres e à Dança Oriental (intimamente ligadas). Falta-me o tempo, disponibilidade mental, paciência e outras qualidades que tentei cultivar com tanto esmero, apenas para vê-las esvair-se pelo cano da Virtude à medida em que o país a que chamo "minha casa" e "parte da minha alma" se afunda em cavernas medievais. 

Falar de assédio sexual, desrespeito e violações das quais as mulheres são vítimas no Cairo -apenas por ousarem circular em espaços públicos - tornou-se redundante, demasiado comum, "cliché" bizarro e empoeirado. 

Referir como o crescente extremismo religioso está a piorar, a olhos vistos, as condições de trabalho (que nunca foram favoráveis!) para as bailarinas e a forma como estas são tratadas no quotidiano também já é chover no molhado. 

Apontar a insegurança, fenómeno novo no Egipto, e uma atmosfera de loucura generalizada assumida tão pouco soa a novidade. 

Sim, faltam-me as qualidades que, cuidadosamente, cultivei durante estes últimos anos de trabalho como bailarina e vida no Egipto: tolerância para com quem/o que não compreendo, sentido de humor face à crueldade e à loucura, flexibilidade para "desculpar" atitudes que me parecem desumanas, calma para contornar os milhentos obstáculos que sempre se apresentam se alguém calha a ser Mulher, Bailarina, Estrangeira e Honesta (ó pecados!) neste país. 

Castiga-se a honra e coroa-se o corrupto; vangloria-se o ladrão e castiga-se quem é honesto; fazem-se vénias à prostituta e cortam-se as pernas à mulher que recusa vender-se; chama-se grande pachá ao trafulha e humilha-se quem não pisa nos outros; ri-se de princípios éticos que nos distinguem dos monstros e enaltecem-se mentiras, desrespeito, violência e ignorância; esquece-se a CONSCIÊNCIA e finge-se ser religioso.
 Vai-se à mesquita - para criar calo na testa, baby... - e de lá se sai, directamente, para um bordel de enganos, maldade e secura total de coração.

Falta-me  a vontade de Dançar num país que viu a sua Revolução boicotada e roubada e pelas suas próprias mãos regressa - a passada veloz - ao tempo das Trevas.

Talvez consiga, daqui a uns tempos, recuperar o fôlego e recuperar essas qualidades perdidas. Por enquanto, só queda a desesperança e uma tristeza profunda ao constatar como um país com uma Grande Alma a teima em ignorar em nome de uma suposta religião.

Do sítio onde estou, neste momento, só consigo falar silêncio e ver a escuridão mais profunda (e talvez esta seja essencial para conhecer o berço da Luz, das estrelas, dos cometas e do Amor).

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