Saturday, January 16, 2010

Cairo, dia 10 de Janeiro, 2010

“Preconceitos (?!)”


A pressuposta hegemonia cultural, política e até mental do Ocidente em relação ao Oriente já é matéria antiga.
Este país foi tão ocupado, explorado e torturado por ordes de estrangeiros que os próprios egípcios ainda carregam um certo ódio antigo – silencioso mas presente – ao “estrangeiro” ao mesmo tempo que lhe invejam a inteligência e os benefícios que pensam usufruir com a sua tecnologia e liberdade pessoal.

Do lado do estrangeiro que vive diariamente num país como este terá de existir um equilíbrio, humildade e uma ímpar perspicácia para não resvalar para a comum assumpção de que nós, Ocidentais, somos superiores aos locais.

Vivo rodeada de egípcios e árabes, ao contrário de muitos estrangeiros que conheço e que conseguem habitar na cidade do Cairo sem viver, de facto, nela e com ela. As comunidades fecham-se sobre si mesmas por uma questão de conforto e até de sobrevivência mas eu incluo-me numa área totalmente exposta aos locais. Não há como não misturar-me e imbuir-me do lado humano deste país. Grande parte da minha evolução como bailarina passa, precisamente, pela assimilação de aspectos culturais e mentais que só se “apanham” quando convivemos diariamente com as pessoas de cá.

Com essa exposição e propositada “mistura” vem muita aprendizagem mas também dores de cabeça várias, problemas sem fim e episódios frequentes que me fazem pensar como eu própria consigo ser arrogante e preconceituosa.

Preconceito mais comum (meu!):
Sou mais inteligente, honesta e eficaz do que todos os egípcios/árabes com quem lido pessoal e profissionalmente.
É difícil não cair nesta tentação porque a maioria dos locais parecem estar dopados com haxixe ou algo do género que os deixa lentos de raciocínio e lhes elimina os pudores éticos ou de qualquer outra espécie.
Sei que este preconceito meu atira um bocado a "xica esperta" mas é inevitável cair nesta tentação quando, de facto, observo que o cérebro dos que me rodeiam é mais lento e ineficaz do que o meu em doses assustadoramente reveladoras.
Quero MUITO mas MUITO estar errada...


Preconceito inesperado:
Descobri que um dos músicos centrais da minha orquestra é casado com tres mulheres ( a lei muçulmana permite que o homem possa casar-se com o máximo de 4 mulheres, na condição de as manter financeiramente satisfeitas de igual forma).
Resultado: fiquei-lhe com um “pó” daqueles! Em vez de olhar para ele com a consideração e respeito que dou a um artista respeitável, passei a ver apenas um porquinho chauvinista que circula de cama legalizada para outra cama legalizada e, por isso, se assume como um grande homem. O desrespeito à MULHER e à sua dignidade consomem-me as entranhas, confesso...

Desde que soube que ele é polígamo assumido (porque os há, se há!, que são polígamos não assumidos) ganhei-lhe uma aversão injusta na medida em que a sua vida privada e códigos morais – ou até o seu discutível valor como homem – nada têm a ver com a qualidade do trabalho que me apresenta e com a relação profissional que tem comigo.
Ou terá?!
Se eu agora decidisse entregar-me às enigmáticas delícias do sado-masoquismo no resguardo do meu singelo lar tornar-me-ía numa pior profissional? A inspiração e a qualidade do meu trabalho ficariam afectadas com as correntes e amarranços violentos aos mastros da minha cama de dossel?
A lingerie gótica e o chicote tornar-me-íam numa pior artista?

Estas são questões às quais eu não sei responder. Isso ficará para quando – e se! - me render ao sub-mundo do sado-masoquismo.

A questão é :
Até onde vão os nossos preconceitos e até que ponto temos o direito de opinar sobre o CERTO e o ERRADO na vida alheia. Os eternos confrontos entre o Oriente e o Ocidente parecem não desvanecer-se.
Quem são os bárbaros? Nós ou eles? Ou ambos? Como definir CERTO e ERRADO com olhos abertos e justos? Haverá uma ética-moral universais que se possam aplicar a todos os seres humanos e por estes serem compreendidos?

Eu vejo o meu percussionista como um homem das cavernas desde que soube da sua triste “ménage a trois” matrimonial mas ele, provavelmente, também me vê como uma extra-terrestre por ser aversa à ideia de casamento (acontecimento central na vida de um árabe ou muçulmano) ou por me recusar a passar pela cama dos “pachás” do dinheiro daí colhendo dividendos para mim e para toda a minha equipa.


Estou confusa. Alguém poderá iluminar-me nesta questão?!

É que chego ao cúmulo de nem o querer cumprimentar e isso é grave quando trabalho com o dito cujo quase diariamente e quando se trata do músico com quem mais interajo em palco.

Será este um preconceito meu?! Até que ponto é que eu tenho o direito de julgar a poligamia de alguém e como não deixar-me afectar pela escolha pessoal da vida de cada um???
Porque será que tenho de misturar a conduta do senhor com o seu lado profissional?!
E porque me sinto tão chocada e desiludida com um homem que é apenas meu músico?!

Questões, questões, questões...alguém me envia uma luzinha?

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