Cairo, dia 30 de Dezembro, 2009
“Brigada Anti-Tarado”
Dia 27 de Dezembro: dia do meu regresso ao Cairo, depois de uns singelos seis dias em Portugal para um Natal quente em casa, com a família, como manda a tradição (nunca me soube tão bem fazer parte desta “tradição”).
Assim que aterro no Cairo, a experiência do Absurdo – também conhecida como “3ª dimensão” – desenrola-se em frente aos meus pés como um longo tapete persa diante de um entusiasmado vendedor.
Este mundo não me dá descanso (graças a Deus que a minha mãe me deu um suplemento para o cérebro...).
DESAPEGO:
Deixar para trás a minha família e amigos, uma vez mais, não foi fácil (principalmente após o Natal e ainda num ambiente festivo que convida ao recolhimento do lar).
A aprendizagem do DESAPEGO tem sido um dos meus mais difíceis desafios desde que tive a coragem – e a loucura! – de deixar tudo para trás e ir atrás dos meus sonhos numa terra que nos esmaga tão facilmente.
Desapego para poder dizer ADEUS mil vezes àqueles que mais amo e me amam. Desapego para poder dizer que não tenho “casa” mas que o mundo é a minha casa.
Desapego para poder viver quase exclusivamente para o meu trabalho, sacrificando amigos, relações amorosas e tudo o que se me deparar no caminho.
Desapego para saber que chego e parto rapidamente e que as lágrimas já não caem devido à habituação do ADEUS.
Desapego para entender que o amor está dentro de mim e que carrego aqueles que amo dentro do peito, mesmo sem a sua presença física.
BRIGADA ANTI-TARADO:
Levanto-me cedo e apanho o metro para tratar da minha viagem à India (visto, vacinas, etc). Tenho espectáculos à noite, ainda estou de ressaca do Natal mal rematado em Portugal e sei que actuarei exausta mas não há nada a fazer.
Mãos à obra!
Entro na carruagem das mulheres, aliviada por não ser assediada por uns momentos. Vejo um “gentleman” que, ousadamente, decidiu inserir-se na mesma carruagem, ignorando o sinal que a define como pertencente ao género feminino.
Olho em volta e ninguém parece incomodar-se com a presença do bigode farfalhudo excepto eu e...uma “ninja”.
Bem...explico a “ninja” (com todo o devido respeito em relação às “ninjas” do mundo islâmico).
Chamo “ninjas” às mulheres que se cobrem completamente ( e de negro!), da cabeça aos pés. Apenas se lhe vêm os olhitos debaixo da “burqa”.
Consigo identificar uma expressão de cúmplice desagrado na ninja que tenho à minha frente. Ora aqui está um momento raro de conexão entre dois mundos tão opostos:
A bailarina (devassa, símbolo máximo da transgressão do que é considerado “decente” numa mulher islâmica) e...
A “monakaba” (ou ninja, segundo o meu dicionário pessoal), símbolo máximo do pudor e decência da mulher humilde e recatada do Islão.
Estes dois mundos encontram-se em cúmplice desagrado e expulsam o senhor que se atreveu a invadir o espaço reservado às mulheres.
Eu dei o primeiro passo – pedindo-lhe para sair da carruagem na próxima estação – e a ninja reforçou o pedido suspirando palavras de exultada irritação por debaixo dos pesados tecidos que lhe cobrem o corpo e a alma. Depois olhou-me com uma expressão cúmplice que só as mulheres árabes podem carregar no meio da sua complexa irmandade.
Que associação improvável, meu Deus! Se ela sonhasse que eu sou bailarina, atirar-se-ía ao rio Nilo por ter caído na tentação demoníaca de se associar a uma depravada.
Absurdos à parte, posso dizer que fizemos uma equipa fabulosa.
Por momentos, pensei: Será que podíamos aqui mesmo criar a “Brigada Anti-Tarado”?
Eu e a ninja à cabeça da organização competindo em popularidade e poder de acção com a perigosa “Irmandade Islâmica”...UAU!
Isto seria uma revolução. Ela de machado na mão e eu com armas de arremesso variadas limpando a cidade de toda a sua poluíção moral...ahhhh....ideia genial.
O Diabo – eu!- e uma representante de Alá – a ninja. Juntinhos, combatendo os tarados sexuais espalhados pelo nosso querido Cairo.
Quais “Anjos de Charlie” quais quê... A Bailarina e a Ninja é o futuro da luta contra o assédio sexual nesta cidade de loucos.
Aqui fica a ideia.
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