Cairo, dia 30 de Dezembro, 2009
“Os abutres”
Esta noite recebi a visitinha “encomendada” da polícia responsável pelo “check-up” das bailarinas no mercado egípcio. Quanto mais se trabalha e mais visibilidade se tem, mais nos perseguem. Já o sabia em teoria, agora sinto-o na pele.
“Os abutres”
Esta noite recebi a visitinha “encomendada” da polícia responsável pelo “check-up” das bailarinas no mercado egípcio. Quanto mais se trabalha e mais visibilidade se tem, mais nos perseguem. Já o sabia em teoria, agora sinto-o na pele.
Estes afamados abutres fazem a vistoria das bailarinas de quem recebem denuncias - muito pouco anonimas devido a reduzida dimensao do mercado - ou com quem decidem embirrar por alguma razao pessoal.
As que dormem com os "pachas" e com o pessoal do dinheiro estao salvas de qualquer controle e ate podem ir de cuecas na cabecinha para o palco mas, como ainda nao me rendi as delicias do "take-away"...la vou apanhando com eles porque nao tenho as costas quentes.
Desconfio que sao meus admiradores...(apenas uma suspeita minha).
Hmmmm............(?!)
Segundo os gerentes presentes no “NILE MAXIM” esta noite, alguém fez a denúncia que eu não teria a minha licença de trabalho em dia ou que estaria a usar trajes “indecentes”.
Sei quem fez a denúncia e porquê. Quando a vejo, sorri-me, chama-me "minha querida" e dá-me palmadinhas nas costas. Bem-vindo ao “dirty world” da Dança Oriental no Cairo.
Só não me comem porque sou indigesta.
ABUTRES:
Depois de verificarem que, afinal, tinha todas as minhas licenças em dia, os abutres (que se vestem de cinzento, nunca sorriem e cheiram mal da boca) tentaram apanhar-me nos trajes.
Por lei, eu tenho de usar uma rede a cobrir-me o abdómen e as pernas não me podem ver para lá de um limite qualquer absurdo estipulado por um tarado “Diácono dos Remédios” egípcio que deve passar o tempo com a barriga colada a uma secretária sebosa vendo “Playboys” desactualizadas enquanto decreta leis anormais para dar dores de cabeça a quem , como eu, trabalha duramente.
SOLUÇÕES:
O meu instinto de sobrevivência nunca me deixa ficar mal!
Assim que soube que os abutres decidiram ficar a ver o espectáculo, pedi à minha assistente que me fechasse TOTALMENTE as tres “gallabeyas” que tinha na mala.
Hoje eu seria o chouriço – ou paio, segundo o meu pai – oficial do “NILE MAXIM”.
Dançar dentro de “gallabeyas” totalmente fechadas da cabeça aos pés não é só estúpido mas também um desafio para quem tenta mover-se e, vamos lá, respirar dentro daqueles tubos de tecido pregados até à ponta dos meus cabelos.
Se os abutres queriam “conversa”, as “gallabeyas” fechadinhas haviam de los desapontar.
Péssimo foi para o público que veio e pagou bilhete para me ver e acabou por assistir a uma versão traumática da revolta do chouriço luso-árabe ondulante (moi!).
PROVOCAÇÃO:
Aparento ser muita coisa que não sou – arrogante e vaidosa estão no topo da lista de coisinhas boas de que sou acusada pelos meus queridos detractores anónimos – mas, embora não saiba se o pareço ou não, se há coisa que eu SOU, sim senhores é : PROVOCADORA. Provocadora subtil e até sofisticada – o meu lado escorpiónico, dizem os entendidos no assunto – mas, ainda assim, PROVOCADORA.
Provando o que acabo de confessar, conto o gesto singelo que deixou os abutres de boca aberta, literalmente:
Se queriam que me cobrisse para impedir que me cobrassem uma valente maquia ou me levassem presa, então eu decidi cobrir-me totalmente para não haver margem de divergência de opiniões.
Além das “gallabeyas” tipo chouriço empacotado do LIDL, decidi cobrir a cabeça à maneira islâmica como fazem milhões de mulheres muçulmanas em todo o mundo. A Dança é o símbolo máximo da libertação do ser humano e de tudo o que o compõe (que inclui, logicamente, o seu corpo!). Pedir que se elimine o corpo de uma bailarina quando ela se apresenta em palco é um gesto de ignorância que não posso entender e tolerar.
Queriam ver a moralidade da Joana?!
E viram-na.
Passei pelos senhores de bafo de bode e pisquei-lhes o olho, sorrindo-lhes por detrás do meu véu que, poeticamente, me caía pelos ombros a baixo.
Na minha expressão, uma mistura de malévola inocência (porque a inocência pode não ser totalmente pura) que eu explorei a meu belo prazer.
O meu gesto deixou a audiência egípcia encantada e os polícias aterrorizados e boquiabertos (bafo de bode, de facto!).
Os músicos olharam-me, estupefactos mas já habituados às minhas loucuras.
Para quem assistiu ao episódio, o significado pode ter sido múltiplo. Para mim, foi um prazer jogar com as regras estúpidas que me são impostas. Um prazer mostrar, visualmente, a contradição daquilo que tem sido exigido às bailarinas neste país desde tempos imemoriais.
DANÇA e FALTA de LIBERDADE não podem estar unidas, nunca. Aqui, pedem-me a noite durante o dia e o que eu fiz foi mostrar o absurdo de todo um sistema que cobre, aniquila e condena o corpo da mulher como algo pecaminoso que deve ser escondido a todo o custo.
Peço desculpa se a Dança não vai ao encontro desta onda de ódio pelo corpo feminino mas, da parte que me toca, continuarei a pegar nas armas que me são arremessadas e devolvo-as ao atacante como um “boomerang” mágico de justiça.
DERROTA:
Os abutres terminaram a sua noite frustrados. Nada de dinheirinhos debaixo da mesa ou sarilhos cá para o meu lado. Papéis em dia e eu, coberta dos pés à cabeça!
O meu pessoal continua a perguntar-me por que carga de água eu continuo a viver no meio desta loucura...
Deixo a questão em aberto, até para mim mesma.
ABUTRES:
Depois de verificarem que, afinal, tinha todas as minhas licenças em dia, os abutres (que se vestem de cinzento, nunca sorriem e cheiram mal da boca) tentaram apanhar-me nos trajes.
Por lei, eu tenho de usar uma rede a cobrir-me o abdómen e as pernas não me podem ver para lá de um limite qualquer absurdo estipulado por um tarado “Diácono dos Remédios” egípcio que deve passar o tempo com a barriga colada a uma secretária sebosa vendo “Playboys” desactualizadas enquanto decreta leis anormais para dar dores de cabeça a quem , como eu, trabalha duramente.
SOLUÇÕES:
O meu instinto de sobrevivência nunca me deixa ficar mal!
Assim que soube que os abutres decidiram ficar a ver o espectáculo, pedi à minha assistente que me fechasse TOTALMENTE as tres “gallabeyas” que tinha na mala.
Hoje eu seria o chouriço – ou paio, segundo o meu pai – oficial do “NILE MAXIM”.
Dançar dentro de “gallabeyas” totalmente fechadas da cabeça aos pés não é só estúpido mas também um desafio para quem tenta mover-se e, vamos lá, respirar dentro daqueles tubos de tecido pregados até à ponta dos meus cabelos.
Se os abutres queriam “conversa”, as “gallabeyas” fechadinhas haviam de los desapontar.
Péssimo foi para o público que veio e pagou bilhete para me ver e acabou por assistir a uma versão traumática da revolta do chouriço luso-árabe ondulante (moi!).
PROVOCAÇÃO:
Aparento ser muita coisa que não sou – arrogante e vaidosa estão no topo da lista de coisinhas boas de que sou acusada pelos meus queridos detractores anónimos – mas, embora não saiba se o pareço ou não, se há coisa que eu SOU, sim senhores é : PROVOCADORA. Provocadora subtil e até sofisticada – o meu lado escorpiónico, dizem os entendidos no assunto – mas, ainda assim, PROVOCADORA.
Provando o que acabo de confessar, conto o gesto singelo que deixou os abutres de boca aberta, literalmente:
Se queriam que me cobrisse para impedir que me cobrassem uma valente maquia ou me levassem presa, então eu decidi cobrir-me totalmente para não haver margem de divergência de opiniões.
Além das “gallabeyas” tipo chouriço empacotado do LIDL, decidi cobrir a cabeça à maneira islâmica como fazem milhões de mulheres muçulmanas em todo o mundo. A Dança é o símbolo máximo da libertação do ser humano e de tudo o que o compõe (que inclui, logicamente, o seu corpo!). Pedir que se elimine o corpo de uma bailarina quando ela se apresenta em palco é um gesto de ignorância que não posso entender e tolerar.
Queriam ver a moralidade da Joana?!
E viram-na.
Passei pelos senhores de bafo de bode e pisquei-lhes o olho, sorrindo-lhes por detrás do meu véu que, poeticamente, me caía pelos ombros a baixo.
Na minha expressão, uma mistura de malévola inocência (porque a inocência pode não ser totalmente pura) que eu explorei a meu belo prazer.
O meu gesto deixou a audiência egípcia encantada e os polícias aterrorizados e boquiabertos (bafo de bode, de facto!).
Os músicos olharam-me, estupefactos mas já habituados às minhas loucuras.
Para quem assistiu ao episódio, o significado pode ter sido múltiplo. Para mim, foi um prazer jogar com as regras estúpidas que me são impostas. Um prazer mostrar, visualmente, a contradição daquilo que tem sido exigido às bailarinas neste país desde tempos imemoriais.
DANÇA e FALTA de LIBERDADE não podem estar unidas, nunca. Aqui, pedem-me a noite durante o dia e o que eu fiz foi mostrar o absurdo de todo um sistema que cobre, aniquila e condena o corpo da mulher como algo pecaminoso que deve ser escondido a todo o custo.
Peço desculpa se a Dança não vai ao encontro desta onda de ódio pelo corpo feminino mas, da parte que me toca, continuarei a pegar nas armas que me são arremessadas e devolvo-as ao atacante como um “boomerang” mágico de justiça.
DERROTA:
Os abutres terminaram a sua noite frustrados. Nada de dinheirinhos debaixo da mesa ou sarilhos cá para o meu lado. Papéis em dia e eu, coberta dos pés à cabeça!
O meu pessoal continua a perguntar-me por que carga de água eu continuo a viver no meio desta loucura...
Deixo a questão em aberto, até para mim mesma.
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