Saturday, January 16, 2010


Cairo, dia 13 de Janeiro, 2010

“Brainstorming com compositores egípcios”


Mais um teste, de entre tantos, à minha sanidade mental, intuíção e perspicácia.
Encontros e mais encontros com diversos compositores egípcios que, supostamente, me farão uma –ou mais! – músicas a partir do nada.
Quem eu sou, como me expresso e como danço são apenas algumas das primeiras “simples” questões que estes homens me colocam a fim de descortinarem um pouco do meu mundo e nele entrarem para compôr.

Discussão de ideias, audição de trabalhos já feitos, indicações da minha parte e uma leitura rápida da eventual criatividade e talento dos ditos cujos.
Compor para dança oriental não é tarefa fácil e compor para mim, em particular, poderá vir a ser, isso sim, um teste à sanidade mental do compositor e não à minha.

Não só sei muito bem o que quero (e o que não quero) como me conheço musicalmente e procuro algo NOVO dentro de um estilo que é, em si mesmo, antigo e tradicional. Como criar algo fresco, ainda não visto/escutado sem abandonar a sentimento e a riqueza musical do estilo oriental (“sharki”)?!

A procura de uma boa música não é difícil mas a procura de uma música revolucionária é, sem dúvida, uma procura de agulhas finíssimas num palheiro imenso e sobrecarregado de lixo.

Tenho uma imensa sede de fazer coisas novas, crescer em várias direcções e frustra-me que a dança dependa tanto, mas tanto, da música. Quando se carrega uma ideia e ambição na cabeça e não se encontram os parceiros criativos que a possam compreender e acompanhar cria-se uma sensação de isolamento sem fim...
Não existe dança revolucionária sem uma música com essa qualidade pot trás dela. Onde está essa música?!

A minha cabeça está prestes a explodir....
Já escutei tantas músicas – com a atenção de quem as quer assimilar profundamente - que a minha cabeça pulsa com notas musicais e ritmos. Imparável...desconcertante.


PERSPICÁCIA:

Truque comum nos compositores/músicos egípcios: fazem colagens/montagens de músicas já existentes e tentam impingi-las como se fossem novas.
Aqui entra a minha perspicácia. Reconheço cada cópia como se a tivesse ouvido mil vezes e a mim, nesse campo, não me “fazem a cama”!

Vendem a sua música como se fosse a melhor do mundo com uma convicção que nos poderia fazer confundir Beethoven com o afamado artista “Zé Cabra”.
Eu escuto porcaria, pura e simples e eles exclamam e suspiram pelos altos ares o quão bela e formidável – e outros adjectivos – a música é. Chego a duvidar dos meus próprios ouvidos mas, quando volto a recuperar da lavagem cerebral que me tentam fazer, reconheço a mais pura verdade:
“Sim, isto é mesmo porcaria pura!”


SANIDADE MENTAL:


Já passei por quatro compositores diferentes neste “shopping tour” que encetei no mundo das músicas e cantigas egípcias.
Tal como se faz no mercado das couves, a escolha e negociação das músicas é feita através do regateio. Escuto uma música que me agrada e finjo que me é indiferente para o preço da mesma não subir em catadupa num segundo.
O compositor fala-me em não sei quantos milhares de libras egípcios. Eu regateio – o que detesto fazer! – e ofereço tal. Ele, por seu lado, oferece um desconto na gravação em estúdio e mais uma entradazinha em cena feita à minha medida (como “presente”)...
Como se pode discutir arte de forma tão comesinha, não sei...isto choca-me.

Continuo a confirmar que não pertenço a este mundo. Ando com os pés lá em cima e regatear músicas como se regateia um saco de batatas ainda é coisa que me faz confusão.

Escutei, escutei, escutei. Montei, na minha cabeça, mil danças e coreografias possíveis. Procurei a luz dentro dos túneis escuros da convenção pesada que aqui reina e ainda não encontrei “o que quero”.



Detalhe "freak":


Um dos compositores com quem tenho privado - musicalmente falando - está morto.

UUUUUUUUUUHHHHHHHHHHHH.......... (sim, este "uuuuuuuhhhhhhh" é substancialmente parvo mas faz todo o sentido neste contexto).


Sim, leram bem. O senhor - que Deus o guarde e lhe dê paz - é/era um grande compositor egípcio que trabalhou para todas as grandes estrelas (Nagwa Fouad, Fifi Abdou, entre muitas outras) e que já encetou a viagem de regresso à casa dos Anjos.


O filho do senhor soube que eu andava à procura de compositores e fez chegar até mim composições inéditas que o pai deixou prontas aquando ainda em vida. Cassetes do tempo da Maria Caxuxa com composições inteiras que muito poucos ouviram e que eu poderei comprar para mim.

Conferenciar com um compositor já falecido tem os seus benefícios e inconvenientes:

Por um lado, o compositor não impõe nada. Eu posso alterar o que desejar nas músicas que compre e o pobre compositor pode, desde lá de cima ou lá de baixo, revolver os olhos e enervar-se mas nada pode fazer quando ao resultado final do episódio.
Posso perguntar, como quem não quer a coisa:
- Eh, pá...a música está fantástica mas aquela parte do ritmo "khalleegy" irrita-me e não vai nada comigo ou a entrada que já ouvi nas músicas desta e daquela bailarina ou até mesmo o fecho da música que é demasiado convencional...e, já que estamos a discutir abertamente o assunto...e que tal se eu incluir por aqui um "taksim" de nay para levantar a moral à orquestra e me elevar o espírito? Ou ainda o ritmo da entrada que está mais batido do que os tapetes persas do mundo árabe? Vai uma mudançazinha ou não? Eu sei que o senhor é bastante flexível...os grandes artistas são sempre gente simples e de alma grande e aberta...então, que me diz?
(Silêncio). Leme tremor da minha perna que eu interpreto como um claro sinal de consentimento lá "de cima".
- Então, estamos muito pacíficos, hãaa?!...parece-me que entramos em consenso...que lhe parece? - Insisto eu porque gosto de respeitar a liberdade criativa dos músicos que comigo trabalham.
(Silêncio). Uma mosca pousa-me no joelho e olha-me fixamente (juro!) e é agora que sei, de facto, que se trata de um claro sinal divino. Além disso, quem cala, consente (sábio povo!).

Existe sempre o risco de ser perseguida pelo seu espírito até que leve a sua avante mas eu não me deixo intimidar por fantasmas.


Por outro lado, a ausência do compositor limita a minha criatividade e poder de intervenção porque as músicas estão concluídas e não foram compostas a pensar em mim. Eu tenho de adaptar-me às músicas, em vez de ser o compositor a adaptar-se a mim.

Não se pode ter tudo.


Será que, com a meditação certa e muita força de vontade, consigo sintonizar o espírito de Beethoven para compor para mim?! (Sim, este é outro detalhe extremamente parvo mas que, convenhamos novamente, também se encontra dentro do contexto).

Saudações a todos os espíritos de Luz (em especial, aos músicos geniais de todo o mundo que seguem inspirando-me).


PEDIDO de SOCORRO:
Alguém me envia um compositor revolucionário que possa entrar na minha cabeça e no meu coração e dali retirar a génese da música que busco?!

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