Wednesday, May 8, 2013

Aquilo que só o inferno nos pode ensinar*



Opa!
A distância que pode ir de um dia para o outro e como podemos passar de vivos a mortos - ou em qualquer estação cinzenta intermediária - num segundo.
 
Ainda estou em recuperação daquilo a que a minha mãe chamou, tão justamente, "uma viagem às catacumbas do inferno".
 
Da doença de ontem (ao ponto de não conseguir andar ou falar) à saúde com que despertei hoje (graças a Deus e a valente medicação em mim injetada por um belíssimo - "and I mean GORGEOUS" - enfermeiro) pode ir a distância que separa a inconsciência e a VALORIZAÇÃO da própria Vida.

Desmaios, sangue, desgraças, histórias incríveis (cada uma mais desesperante do que a outra), um rol de depressões atrás de depressões e eu na tentação de fugir dali - mesmo que isso significasse ficar doente (e totalmente inoperacional) por tempo indeterminado. Como não me posso dar ao luxo de estar de cama mais um dia, lá me aguentei à bronca.

Ter passado a tarde e a noite de ontem nas urgências de um hospital público foi um exercício de paciência, humildade, humanidade e valorização da minha saúde e do facto (jamais garantido mas que tomamos como tal) de estar VIVA.

Em cerca de dez horas (em espera, tratamentos, análises, várias picadas aqui e ali e a ocasional observação de um enfermeiro que parecia caído do céu, ali mesmo no meio do inferno) pude aperceber-me do quão frágeis somos (sou: horror dos horrores!) e olhar de frente para aquilo que, frequentemente, evito: a fraqueza; as limitações; a possibilidade da dependência total do outro; a doença; as desgraças; a morte; o lado negro da Existência. 


 Atirada para uma dimensão paralela (entre a consciência e a inconsciência) pude observar os dramas dos que chegavam e entravam, a carne exposta (que acaba por também expor a alma), o sangue, o choro, a baba e o ranho, a vergonha da própria ausência de vergonha quando somos deparados com a nossa condição animal de quem sempre está com um pé na sargeta (jamais podendo fugir dessa realidade).

Primeiro fechei os olhos, rejeitei estas verdades que temia também serem minhas, impedi que o drama alheio em mim tocasse até que o tempo acabou por derreter todas - e outras - resistências. Foi então que, sem forças, me rendi e me coloquei na pele da senhora que está a morrer de cancro, do homem que foi atropelado, da dona Bernardina que ali assiste ao marido (preso, indefinidamente, a uma cadeira de rodas da qual jamais sairá). Eles tornaram-se EU e todas as dores do mundo foram (são) também minhas. Como todas as coisas viram o seu contrário quando chegadas ao seu limite, parece-me ter sentido a VIDA pela primeira vez - pelo roçar sórdido e belo das mãos da morte que me acariciou os cabelos e me abriu uma janelinha da qual só se vê LUZ*.

Parece-me (com um profundo desconforto meu) que só se pode experienciar a LUZ e saber o que ela é, na verdade, depois de passarmos pela ESCURIDÃO.
A Vida nesta Terra é - sem dúvida - a mais milagrosa e sublime Escola que existe.
Grata pela travessia e por ter chegado - são, salva e mais consciente - ao lado de cá*.

P.S. O enfermeiro que mencionei por duas vezes era, na realidade, uma aparição divina (creio que produto da medicação que me injetaram pela veia). Alto, moreno com uns olhos amendoados desses que nos levam a passear sem nos tocar, musculado, lindo de morrer (embora a palavra "morrer" fique, aqui em particular, de um mau gosto enorme eu deixarei que ela aqui fique para ser fiel à verdade dos factos).

A certa altura, ele aproximou-se de mim e disse:" Diz aqui na sua ficha que a menina tem tendência a desmaiar. É certo?"
Ao que eu respondi: "Sim, é certo. Desmaio com muita facilidade ( quando o que pensava era: "sim, é certo; desmaio com muita facilidade, especialmente quando e sempre souber que vou desmaiar nos seus braços, caro enfermeiro."). Ainda senti, entre uma náusea e a outra, o ímpeto de deixar que estes pensamentos se verbalizassem mas o bom senso prevaleceu. Ainda me levavam para a ala dos alucinados (consta que existe) ou lá para o sítio onde põem as pessoas que falam com aparições divinas. Livra!

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