Saturday, February 23, 2013

Sabes que és PORTUGUESA quando...

Nunca a nossa identidade cultural se revela tão óbvia como quando vivemos longe do país que nos viu nascer. Quanto mais longe estou - fisicamente - do meu país natal mais próxima me sinto dele.
Era Jean Paul Satre que defendia que a proximidade afasta as pessoas e que a distância as aproxima; creio que tal se aplica à relação entre pessoas e o chão que as fez saltar cá para fora.

Desde que fui viver para o Egipto - deixando para trás o meu país, família, amigos, carreira já lançada e tudo o que me era familiar e querido - que entendi a importância das minhas RAÍZES e do quanto elas me conferem o selo de ESPECIAL (caso eu não as renegue e as use a meu favor). A natureza dos Portugueses é ser do mundo, um olho pequenino mas mágico que vê por cima do horizonte do imenso Oceano Atlântico.
Conhecer outras culturas e experimentar outros modos de vida não me afastou - em nada - de Portugal; pelo contrário.


Sei que sou PORTUGUESA quando:

1. Rebenta em mim uma tempestade de lágrimas no instante em que escuto os primeiros acordes caídos de uma guitarra portuguesa num concerto da Mariza (fadista mundialmente reconhecida) na Ópera do Cairo. Toda a gente está encantada e tal, acenando cabeças diplomáticas e acariciando os seus casacos de pele e eu estou desfeita - num segundo - apenas por escutar o trinar das cordas da guitarra portuguesa.

2. Explico à minha orquestra as canções que quero dançar como quem canta fado na Mouraria (bairro típido de Lisboa - curiosamente apelidade "MOURARIA" que tem a ver com a ocupação árabe-moura em Portugal). Canto-lhes Om Kolthoum (exactamente como quero que a interpretem) em forma de fado e sei que em ENTENDEM porque vimos do mesmo Mar.

3. Reconheço o Fado da minha terra natal num "mawal" que se lamenta, goza de prazer, chora de nostalgia e celebra a vida em tons azuis. SEI - instantaneamente - que o "mawal" (introdução-improvisação inicial que abre uma canção) é irmão gémeo do Fado e do "Cante jondo" do Flamenco (outra flor antiga do meu jardim).

4. Faço poesia e humor por tudo e por nada; pela graça e pela desgraça.

5. Vejo o rio Nilo e me queixo que é demasiado pequeno porque só o Oceano me basta e eu tenho sede é que imensidão sem fim.

6. Me abrem as malas de viagem no aeroporto do Cairo e aí encontram:
Bacalhau; chouriços; mel da serra da Arrábida; queijos; pão caseiro; nozes e ervinhas do jardim da minha mãe.

7. Me critico a mim mesma mais do que me congratulo. A humildade e um sentido - até destrutivo - de auto-crítica estão tão enraízados nos portugueses como os navios e a sede do Desconhecido.

8. Sei que o meu poiso é o Mundo e em mim sinto pulsar os genes dos Navegadores portugueses que não sabiam onde iam, se chegariam, se morreriam pelo caminho ou se chegariam a bom porto mas que, ainda assim, TINHAM de IR.

9. Canto Fados na cozinha de uma amiga minha como forma de "pagar" o almoço que ela cozinha para mim.

10. Quando me sento a comer com os meus músicos e aceito ser criticada por tão incómoda "mistura de gentes e classes" - assim considerada pelas pessoas que me rodeiam. O Português que é PORTUGUÊS sabe, desde há uma eternidade e um dia, que somos todos feitos da mesma água, do mesmo chão e do mesmo céu.

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