Sunday, October 11, 2009

Cairo, dia 10 de Outubro, 2009


“Levas-me um banano...ou uma cabeçada à Cais do Sodré-
O meu lado mais carinhoso”

Ora bem, como colocar a questão?!
Um dos “benefícios” de viver no Egipto e apanhar tanta, mas tanta paulada por tabela (especialmente, numa área como a minha) é poder tornar-me uma pessoa mais sábia – às vezes! – paciente, compreensiva e compassiva.
Já me habituei à fragilidade imensa do ser humano e todo o manancial de surpresas (des)agradáveis que a ele vêm acopladas.
O julgamento e a mágoa de ser enganada ou desiludida já não me marca a alma como antes (estarei a crescer?!) e prezo a capacidade de resistir às intempéries sem perder eu mesma a minha humanidade.

No meu TODO, posso afirmar que me tornei numa pessoa melhor, mais forte, sábia e criativa. Mais HUMANA.
E, no entanto, há dias em que o verniz mais profundo se parte e me salta a “tampa” de uma forma tão inusitada e violenta que o Tarzan Taborda, ao meu lado, poderia ser confundido com o Ghandi!

As minhas mil faces em permanente movimento. Quando será que o Frankenstein nos vem visitar “cá a cima”?!

O Monstro saindo da gruta:

As última noites foram excitantes na sua diversidade e intensidade.
As novas aulas no Instituto CSA com um show intimista nos jardins do mesmo durante o crepúsculo mais lindo que tenho visto nos últimos tempos (com a minha orquestra e alunos rodeando-me);

Um casamento da “alta sociedade” egípcia no qual fui tomada em braços pelo pessoal (noivos, familiares, convidados e até empregados do hotel) e acabei a dançar em cima de uma cadeira (coisa inédita em mim).
Muito pouca dança, na verdade, mas muita excitação e histeria à minha volta. Há quanto tempo não me divertia assim de forma tão louca, meu Deus?!

Retomar de espectáculos no “Nile Maxim” e aquela que foi uma surpreendente explosão na cara de um convidado/noivo egípcio que proíbiu a sua recém-casada (também conhecida como “vítima ainda fresca”) de dançar em público.
Eis como decorreu a conversa no castelo tenebroso do Frankenstein (vulgo “Nile Maxim”):

Eu, beijando a noiva e perguntando-lhe se quer dançar comigo:
“Alf Mabrouk, ya habibti (muitos Parabéns, minha querida)! Queres dançar comigo?” – Pergunto eu à rapariga egípcia que me acena dizendo que sim e que, logo de seguida, olha para o marido (também conhecido como patrão/dono/Deus na Terra/ ignóbil homem das cavernas) buscando autorização.
“Não, ela não pode dançar consigo.Ela só dança em casa!” – Responde o Paleolítico/noivo com alguma agressividade pouco comum em ocasiões felizes como a do casamento.

PAUSA.

RESPIRANDO FUNDO (EU!).

CALORES SUBINDO PELA MINHA ESPINHA E UMA VONTADE QUASE, QUASE INCONTROLÁVEL DE ESGANAR O PALEOLÍTICO (já sabem quem é o dito cujo).

“Agarrem-me senão eu vou-me a ele!” – Pensei eu.
E melhor fiz.

“A sua esposa só pode dançar em casa. Hmmmm...E você, dança onde?!” – Lancei eu sem pensar e sem ter em conta que o “Nile Maxim” não é o sítio mais indicado para lutas súbitas pelos direitos da Mulher e contra a sua eterna opressão (ou será que é este o sítio, afinal?! Quem sabe?).

Os meus olhos deviam lançar fagulhas pouco subtis de raiva e assassina paixão e foi com um estranho prazer que me imaginei à mocada com o Paleolítico, mesmo ali, a meio de um espectáculo. Ai que lá se vai o verniz...

“Eu danço no “Nile Maxim”, o que é que acha?” – Respondeu o P. (nem vale a pena desperdiçar palavras com o dito...) com igual indignação e agressividade.

“Então mostre-me! Se dança no “Nile Maxim”, venha comigo e mostre-me o que sabe fazer.” – Retorqui eu sem lhe dar tempo de reagir a esta incrível jorrada de raiva e palavras amargas.

Ele olhou para mim em choque e calou-se. Que responder? Dilema complicado de resolver.
Num momento de iluminação diplomática tão raro em mim, decidi parar a conversa por ali, dar mais um beijo à noiva/vítima e seguir com o espectáculo sem, no entanto, deixar de fantasiar acerca do P. sendo lançado ao Nilo num descuido afortunado.

Juro que tento livrar-me de todas as energias negativas do Universo. Juro que sim mas, infeliz ou felizmente, ainda tenho um longo caminho a percorrer até me assemelhar a Buda ou algo parecido.
Fui para casa pensando, enraivecida, na vida de domínio e controle que espera a pobre noiva. Um marido a quem ela tem de pedir permissão para dançar.
Um marido que a imobiliza na cadeira com um simples olhar reprovador.
Ahhhhh...o fascínio do homem árabe...que maravilha!

Uma cabeçadinha à Cais do Sodré vinha a calhar neste caso. Contive-me.
Desta vez.

No comments:

Post a Comment