Wednesday, November 18, 2009



Cairo, dia 19 de Novembro, 2009

“Cairo em estado de sítio, Pilates para masoquistas e Mahmoud Reda (uma vez mais!)


1. Futebol – Nigéria Versus Egipto

Os egípcios partilham várias qualidades e defeitos com os portugueses. Terá sido a ocupação moura que nos deixou na alma determinadas cores inapagadas pelo tempo e pela mistura de culturas de que é composto o sangue lusitano?!

A paixão assolapada pelo futebol (o célebre ópio do povo!) é uma das características que unem os dois países e hoje o Cairo encontra-se suspenso numa neblina de costumeira poluíção (já nem sei que faria aos meus castigados pulmões senão pudesse inspirar tanto mas tanto tubo de escape avariado) e ansiedade.
Grande jogo entre a equipa nacional egípcia e a Nigéria.
Eles têm a Warda (famosa cantora que eu adoro) mas “nós” temos a Om Kolthoum e, como todos os que me conhecem sabem, nada nem ninguém suplanta a minha querida Diva. Como já me sinto meio portuguesa e meio egípcia, a eventual – “Inshah Allah”- vitória da equipa de cá também é vivida com alegria por mim.

Caso o Egipto ganhe este jogo, toda a cidade se encontrará a meio caminho do Apocalipse. As ruas ficam totalmente obstruídas, fogo de artifício é lançado a partir de varandas, lojas e até motociclos sobrecarregados com pessoas (já vi cinco rapazes montados numa mota minúscula) e bandeiras nacionais gigantescas.
A polícia deixa de ter mão no caos e a saída à rua de um comum mortal que não deseje falecer ou ser gentilmente esmagado pelas multidões tornar-se-á numa utopia.
Camiões apinhados de gente e instrumentos de percussão descordenados entre si darão a sonoridade base da noite que não terá fim e um percurso que possa, normalmente, durar 30 minutos poderá chegar a levar 3 horas para se completar ou nunca chegar a concluir-se.

Abasteço-me de mantimentos e planeio fechar-me em casa em hibernação profunda até amanhã, altura em que a febre da vitória - ou a depressão da derrota... – já tenha passado.

2. Pilates para masoquistas

A aula de yoga no ginásio que frequento foi substituída por uma aula de Pilates e ja que me levantei cedo para poder relaxar um pouco, decidi não voltar para casa sem experimentar esta nova modalidade.
A professora era russa e, pelo que já entendi, as professoras russas possuem uma voz aguda penetrante que se intensifica quando falam em inglês e dão instruções.
É bem verdade que os russos sao representados por grande Literatura – meu querido Tchekov – e até Stanislavski ( de quem aprendi tanta técnica de representação enquanto estudava na Escola Nacional de Teatro e Cinema). Os russos ainda carregam o nome de Nijinski (grande bailarino que fez uma aparição como actor igualmente fantástica na minha série de televisão preferida “Sexo e a Cidade”) e a célebre Vodka (nunca bebi!). Trotsky, Karl Marx e tantos outros que contribuiram para fazer o mundo pensar e mudar. Trata-se de gente expedita, inteligente, diria mesmo genial em tantos campos mas...

Quando se trata de aulas de ginástica/dança/natação em ginásios cairotas, posso afirmar com toda a propriedade que as mulheres russas são GALINHAS.
Não falo de galinhas de aviário já domesticadas e dopadas com hormonas e “coiso e tal”...falo de galinhas do campo em pleno poder vocal.
Sento-me no tapete da aula de Pilates grata e satisfeita por experimentar uma modalidade nova. O conteúdo da aula até foi agradável (muita técnica e alongamentos de ballet) e não me posso queixar de ter sido assediada por homens que ali vão apenas para deitar o olho às bifanas.

Não senhor...nada de assédio (GRANDE ponto positivo da aula).
Apenas um rapaz com aspecto saudita que passou toda a aula totalmente imerso nos seus próprios músculos como se fosse uma encarnação de um Deus qualquer.
Penso que os machões devem considerar o Pilates um pouco abichanado demais para os seus insuflados egos. Estica o pézinho em ponta, faz o alongamento da sereia e tal...hhmmmm...SIM, até eu que cresci rodeada de bailarinos (homens e mulheres) executando toda a classe de movimentos concordo que isto é consideravelmente abichanado. Um enorme “piquinho a azedo”, como diria a minha irmã Catarina (nobre descendente da prole poética feminina na minha família à qual a minha mãe preside). Graças a Deus e aos anjinhos pelo lado “abichanado” de Pilates!

O lado verdadeiramente negativo da aula foi a voz aguda e o parlapié contínuo da professora.

O lado “galinha” da mulher russa revelou-se, uma vez mais, insuportável para mim. Não nos esqueçamos que eu sou uma bailarina e que lido com música todos os dias com uma atenção anormal para o comum dos mortais.
Quando não estou a trabalhar, o meu cérebro e os meus ouvidos precisam de silêncio.

S-I-L-Ê-N-C-I-O.
O oposto do da versão galinácea de Dostoyevski.
Por momentos, pensei que as palavras “cale-se só um segundinho!” me saltariam da boca sem possibilidade de controle. Olhei para o relógio várias vezes para ver quando a aula terminava (mau sinal). A professora continuou a dar-nos ordens em tom estalinista e o tom da sua voz subiu e subiu e subiu ainda mais um pouco...
Doloroso.
Se, por alguma razão, eu tiver de caír novamente de pára-quedas nesta aula, certificar-me-ei que existem tampões potentes bem enfiados nos meus exaustos ouvidos.
Esta minha necessidade de manter um estilo de vida o mais saudável possível e cerca dos meus “standards” ocidentais tem dado azo a vários tiros saídos pela culatra.
Deus é irónico.

3. Mahmoud Reda, uma vez mais e sempre.

Mais uma aula com o meu querido Mahmoud Reda no Festival Mundial do Nile Group (a decorrer durante esta semana no hotel Pyramisa). O Mahmoud pede-me ajuda para dar estes workshops mas a verdade é que eu ganho mais do que dou.
Ajudá-lo nestes workshops internacionais é, acima de tudo, um prazer para mim não só pela dança mas também pela alegria de estar com o meu amigo, poder rir-me com ele e continuar a aprender humildemente.

Outro prazer residente nestes workshops é poder ver centenas de mulheres de todas as nacionalidades, idades e estilos unidas num só propósito: crescer através da Dança Oriental.

Uma vez mais, o Mahmoud confiou totalmente em mim e achou que eu não precisava de conhecer a música ou a dança que ele ensinaria antes do evento.
Isto significa que eu fui aprendendo a coreografia pela primeiríssima vez ao mesmo tempo que as alunas a quem estava a ensinar.
Para uma perfeccionista como eu, confesso que esta forma “kamikazi” de dar uma aula me deixa os nervos em franja mas, graças a Deus e à experiência acumulada debaixo das minhas pontes, tudo correu muitíssimo bem.

Mais momentos inesquecíveis a juntar aos infinitos episódios de vida valiosos que já partilhei com o meu querido amigo da Alma.


Nota: Muito agradável receber os comentários de apreço de bailarinas de todo o mundo que vieram ter comigo antes e depois da aula cumprimentando-me pelo trabalho que tenho estado a fazer no Cairo. Algumas delas já me viram pessoalmente em qualquer um dos meus "shows" de cá e outras apenas ouviram falar de mim ou deram uma vista de olhos num dos vários vídeos disponíveis na Internet. Todas elas me incentivaram a continuar e me fizeram sentir orgulhosa, como sempre, do trabalho e sucesso que tenho gozado por cá. Se eu pudesse sentir o mesmo apoio da parte das minhas conterrâneas...ahhh...um sonho ainda por atingir!

Apreciada no Egipto e um pouco por todo o mundo, EXCEPTO no meu próprio país.

Irónico, simplesmente irónico.

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