Thursday, September 16, 2010

Dia 16 de Setembro, 2010



"No escurinho do cinema..."



A canção brasileira que recordo de uma qualquer novela da minha infância (bons dias aqueles, quando a GLOBO produzia tele-novelas com nível de bom cinema) dizia assim:

"No escurinho do cinema,

chupando dropes de aniz,

longe de qualquer problema,

perto de um final feliz..."


Claro que, para o Egipto, a letra teria de ser reescrita (censurada, como tudo o que se faz por cá). A frase em que se fala, inocentemente, em "chupar dropes de aniz" seria retirada da canção num segundo não vá o diabo tecê-las e o pessoal ficar todo maluco com desejos lúbricos.

Quantos "Diáconos dos Remédios" (Herman José no seu MELHOR, pleaseeeee....volta!) não andam por aí...

E o escurinho do cinema no Cairo não é o mesmo que o escurinho do cinema em qualquer outra parte do mundo, isso eu posso assegurar.

Eis o que caracteriza uma típica ida ao cinema na metrópole da Quinta Dimensão:

1. Crianças e adolescentes mal-educados que desafiam a paciência a um santo, saltando, gritando, brincando e falando ao telemóvel durante todo o filme!

Os putos árabes assumem o Nº1 do Ranking da Má Educação (Arábia Saudita leva a Taça para casa) mas os egípcios não se ficam atrás...

Parece que a sala de cinema é uma extensão da sala de estar da casa de cada um e nem os adultos nos poupam às suas conversas ao telemóvel e ruído geral com muita pipoca, bebidas e todo o tipo de comida avidamente consumida e, indevidamente, largada no chão assim que o apetite fica saciado.



2. Quem quiser usufruír da sensação de estar na Sibéria, sem ter de ir mesmo à Sibéria também pode ver um filme em qualquer sala de cinema do Cairo.

O ar acondicionado está, invariavelmente, no máximo da sua capacidade e é prudente levar uma manta e um casacão pesado forrado a lã de ovelha genuína. Um aquecedor portátil ou um saco de água quente também não serão de dispensar.

Caso estes adereços não façam parte da sessão de cinema, o querido amante cinéfilo corre o sério risco de morrer congelado ou, no mínimo, apanhar uma pneumonia que o deixará de cama durante umas semanitas (o que também pode ser um bom plano alternativo para pôr o visionamente de filmes em dia!).


3. A união faz a força! Este parece ser o lema dos vendedores de bilhetes de cinema de cá. Senão me creem, acompanhem a cena comigo:

Numa sala com 200 lugares, existem 20 bilhetes vendidos. Ora isto deixa-nos com um considerável espaço para esticar as pernas, estar à vontade, pousar os nossos sacos das compras na cadeira do lado, cruzar e descruzar os braços e gozar de silêncio. CERTO?



ERRADO.



Numa sala de 200 lugares, os vendedores colocarão os compradores dos tais 20 bilhetinhos juntos uns aos outros e eu não quero dizer perto uns dos outros. Eu quero dizer: COLADOS.
Uma pessoa a seguir à outra sem uma única cadeira vazia ao nosso lado. Uma bela ilhota de seres humanos amontoados num vasto mar de uma sala gigantesca vazia.Tem a sua poesia, por acaso até tem...

Então ali fica uma sala enorme vazia com um núcleo de 20 pessoas amontoadas, quase de braços dados e aos colos uns dos outros, acotovelando-se e enfiando sacos e mais sacos debaixo de cadeiras enquanto os fantasmas de outras épocas ocupam as outras 180 cadeiras vazias.
Isto terá a sua lógica mas eu não consigo ver qual.
Além da óbvia falta de espaço, isto implica que as tais conversas de telemóvel que duram para sempre são partilhadas com os companheiros de fila num verdadeiro "tête-a-tête" que pode levar o próprio Dalai Lama a uma explosão de pontapés indescriminados.
Já vi gurus indianos explodirem por menos que isto...(Fica AQUI o AVISO!).


Será uma técnica para evitar o congelamento do pessoal?

Campanha para eliminar os desastrosos efeitos da solidão e isolamentos humanos?!

Há para aí cada génio....



4. Reacções verbais, guturais e físicas a quase todas as piadas do filme em questão, mesmo às piadas sem piadinha nenhuma.



5. Quem queira ir ao cinema em busca de algum sossego e evasão (o meu caso), pode antes dedicar-se à plantação de kiwis à beira do Nilo.

Missão impossível.

Para além dos já mencionados incómodos, ainda existe o factor "OBSERVATÓRIO" e não me refiro à observação dos astros e constelações mas à observação do extra-terrestre que é o estrangeiro/a num cinema egípcio. Tenho de contar com mil olhos postos em mim, especados e fixos indefinidamente...como se eu tivesse uma cauda de pavão enfiada no "derrière". Já me habituei a ser vista como um extra-terrestre mas, ilusoriamente, sonho sempre que o tal escurinho do cinema me proteja dos mirones. Pois não, NÃO PROTEGE.

Confesso que nunca vi nenhum estrangeiro numa sala de cinema egípcia. Porque será?!



P.S. Se tiverem algum inimigo de morte de quem se queiram vingar, recomendem-lhe o filme que deixei a meio durante uma tarde consideravelmente enfadonha (o nome do filme-tortura é DESPICABLE ME).
Não antevejo melhor castigo...

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