Sunday, April 18, 2010


Cairo, dia 18 de Abril, 2010

Abdel Halim Hafez na Opera do Cairo

Aprender sobre os grandes nomes da musica egipcia parece ser uma tarefa da qual me ocupo 24 horas por dia. Vivendo e trabalhando no Cairo, nao me resta outra hipotese senao absorver tanta maravilhosa informacao que esta a minha volta.
Nao me refiro, tao pouco, ao meu trabalho em si mesmo. Ai eu lido e trabalho diariamente com alguns dos melhores musicos do mercado e, interagindo, observando-os, assimilando-os no meu sistema auditivo e emocional, aprendo em dimensoes que nao possuem fim.

Aprender sobre musica - e danca - no Egipto passa por uma vivencia diaria de momentos partilhados com estranhos, amigos e todos os que se encontram no meio destas duas categorias.

Partilho uma musica de Om Kolthoum com um taxista que me leva a casa e cantamos em unissono numa mutua evasao que nos une na nossa aparente distancia.
Sento-me num cafe com uma amiga e la esta uma fantastica musica de Shadia tocando e colorindo o ambiente das shishas e dos chas com menta.
Caminho na rua e noto que, saida de uma loja de artigos para a casa, vem ate mim um tema de Abdel Halim Hafez que me faz, literalmente, parar no meio da rua e escutar atentamente.
Todas estes sao estimulos musicais que nao me passam ao lado e povoam todos os meus dias/noites da vida neste sitio fascinante.

Aqui, a aprendizagem nao tem lugar nem hora marcados.
Gosto disto.

E ali fui eu a Opera do Cairo - que veio substituir a antiga OPERA DO CAIRO depois desta ter sofrido um grave incendio - assistir a um concerto sob a tematica de Abdel Halim Hafez.
Um dos cantores inseridos no concerto e meu amigo e, por isso, fui convidada VIP, em primeira fila e com direito a dar autografos ao pessoal e tudo (porque sera que me torno cada vez mais timida em publico???). Sabe tao bem ser reconhecida pelo meu trabalho mas, no entanto, nao poder esconder-me na minha concha de recolhimento e paz deixa-me tonta e desorientada. (?!)

Tudo no concerto me pareceu maravilhoso, com especial incidencia nos arranjos musicais a rasgar a perfeicao.Tendo orquestrado - sem ajuda nem guia de ninguem - tantos musicos diferentes ao longo de tres anos de trabalho diario, nao podia deixar de ter uma costela de maestro. Sim, que a TENHO!!!

A limpeza com que se podia escutar cada instrumento entrando e saindo no momento e da forma mais sublimes, a interpretacao musical de cada solista e de alguns dos cantores (incluindo o meu amigo que fez um furor!)deixava-me sem folego.

Claro que tinha de haver um toque egipcio (ou um piquinho a azedo, nas palavras da minha mana Catarina, afamada poetisa do povo...):
Os cantores do coro estavam a ponto de adormecer quando escutavam os solistas, havia conversas entre varios musicos (suspeito que estavam a trocar receitas das varias formas de cozinhar bacalhau no forno), o musico que tocava alaude tossia para o microfone sem preocupacoes e assoava-se com lencos de papel que, depois, inspeccionava cuidadosamente com igual descontracao e por ai vai...

Ja me habituei a abstrair-me destes detalhes (graves, para mim) e apenas fixar-me na beleza ali produzida. No Egipto, o sublime e as imperfeicoes crassas andam sempre lado a lado. Nao deixar que o feio polua o belo parte de quem observa.Eu tento, eu tento...

Deprimente - e interessante - foi nao conhecer nenhuma das musicas ali interpretadas. Ali estava eu a espera de escutar algo familiar, ver como a orquestra interpreta esta e aquela musica mas...nada!

Tudo musicas que me eram desconhecidas (mais aprendizagem)e um estilo muito proprio que tornou Abdel Halim Hafez numa referencia incontornavel da musica egipcia e arabe.

Nao se trata do meu cantor preferido. Consigo ver a beleza e toque inovador de muito do que ele compos, escreveu, cantou. Ainda assim, nao me toca o coracao como toca Om Kolthoum.
Que mania esta de comparar tudo e todos ao meu grande amor, Om Kolthoum!
Aqui esta um erro meu do qual nao consigo livrar-me.

Aprendi que Abdel Halim canta o amor adolescente, inconsequente. Ao contrario de Om Kolthoum que ja canta um amor maduro e eterno com consequencias dramaticas (la estou eu a comparar a Diva com os demais!).

Canta tambem a dor nas suas mais variadas tonalidades (proveniente, em grande parte, do estado doentio em que Abdel Halim se encontrou durante a grande parte da sua vida, passando mais tempo em hospitais do que no palco ou em sua casa).

Canta os revezes diarios da vida e fala com a audiencia como se tratasse de um amigo esperando noticias.

Fiquei com a nitida impressao de que este territorio ainda nao foi, convenientemente, explorado por mim. Um mergulho destes tornou-se urgente.
Aqui vou eu.

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