Monday, May 23, 2011





Cairo, dia 23 de Maio, 2011






O que em mim se desalinha.



O Verao avizinha-se e com ele chegam, entre outras delícias próprias do Cairo, as mulheres árabes de países vizinhos cobertas de jóias, os melhores e mais perigosos perfumes do mundo (Made in Arábia Saudita) e "abbayas" negras com respectivo "hijab" que lhes cobre a cabeca e a cara, mas nao as intencoes.






Tubos de escape de carros rotos, um calor infernal combinado com a poluícao galopante, o característico assédio sexual que torna uma simples ida ao supermercado num eventual episódio de carnificina (já estive mais longe de enfiar salsichas congeladas na boca sem vergonha de um dos tarados que nos seguem, invariavelmente, pelas seccoes de congelados e lacticínios).






E as mulheres árabes, um mistério ainda maior do que as egípcias a quem já apanhei o jeito na maior parte das suas idiossincracias.


Sao estas mulheres árabes quem trazem "haute couture" por baixo das "abbayas" negras, ou lingerie "La Perla" ou, simplesmente, nada!


Sao também estas mulheres misteriosamente preguicosas que me parecem sempre impassíveis, insensíveis a nada que o dinheiro nao compre e perfeitamente arrumadas e aperaltadas.


Eis onde se inicia o embate estético-comportamental (acho que acabei de inventar uma palavra para o vernacular da sociologia/psicologia).




Elas flutuam dos seus BMWs para os hotéis de luxo (onde, na maioria das vezes, se prostituem) e tudo nelas soa a cristalizada (e morta!) perfeicao. As unhas, a roupa, a maquilhagem, os gestos, o olhar "matador", a mente felina e entupida que se lhes adivinha no andar, tudo mas TUDO parece ensaiado e perfeito na sua imobilidade mortificante.




Comparativamente (eu que nem sou de comparacoes, vejo estas criaturas como alvo delicioso de uma rara sessao de comparacao/corte e costura), eis aquilo que em mim se desalinha permanentemente:




1. O meu cabelo nunca anda coberto (já tentei a proeza mas o resultado foi, surpreendentemente, um acréscimo no assédio sexual...hhmmmm...nem tentem compreender!) e sempre, mas SEMPRE desalinhado. Por mais que eu tente controlar a minha querida cabeleira, ela tem vida própria e nao respeita cabeleireiros ou qualquer tentativa de a manter arrumadinha.

A questao é que eu estou, constantemente, em movimento. Sem pensar bem no assunto, sem que este assunto seja por demais relevante, vejo que é virtualmente impossível manter um penteado em cima da minha cabecinha.

Ele é yoga, ele é ginásio, ele é coreografar e ensinar, ele é dancar em palco (onde o desalinho meu cabelo tomam direccoes e proporcoes assustadoras), ele é rolar no chao com as minhas gatas enquanto lhes mordo as coxas e lhes dou beijos na barriga, ele é tango e salsa para esquecer as coisas pesadas da vida, ele é um CAMINHAR permanente e uma ausencia de vaidade que muito raramente me é reconhecida.


O meu cabelo reflecte quem eu sou. Selvagem e desalinhado, solto ao vento e suado de tanta VIDA!




2. Nunca consigo ter uma manicure ou pedicure imaculadas porque nao suporto esperar, imóvel, que o verniz seque. Tao simples quanto isso.

Vejo as madames egípcias e árabes sentadas nas suas poltronas dos mil saloes de beleza do Cairo, tomando o seu chá e olhando com desdém para as empregadas que lhes arrancam os calos e ali ficam, impávidas e serenas, esperando que o seu verniz seque para lá da conta como se nao tivessem onde ir ou que fazer.

E eu?

Bem...

Acabo sempre por ficar com a pintura das unhas transformada numa pintura impressionista de mau gosto que, quase sempre, eu acabo por tentar disfarcar adicionando flores e coisas impensáveis para ninguém reparar no caos em que me ficam as garras.



3. Saio a rua vestida o mais inatractiva possível (o look "saco de batatas" tornou-se um clássico meu) para evitar chamar a atencao sobre mim. Quando olho para as supra citadas senhoras árabes com as suas "haute coutures" cobertas de escuridao mal disfarcada, fico assim...meio sem gracinha nenhuma...vendo arvores de Natal em noite de consoada ao lado de um pinheiro bravo destituído de enfeites ou galhos (sim, o pinheiro bravo sou eu!).



4. Nunca digo a coisa certa no momento certo, ao contrário da diplomacia egípcia que, para os meus standards camponeses, é sempre uma forma de mentira carinhosa.

As mulheres árabes falam pouco e, quando falam, mais valia estarem caladas. Nao precisam de ser agradáveis com o falar porque possuem dinheiro e este fala mais alto que tudo no Egipto.

Naquilo que me diz respeito, eu nao durmo com homens endinheirados para ser rica e nao tenho por hábito mentir ou ser falsa só para agradar a alguém e, por isso, sou um "globe trotter" linguístico que entra em choque com a "palavra vazia" corrente.



5. Sinto. Totalmente e sempre demais. Desalinho TOTAL.

Sou humana e sigo o meu coracao.

Esta deverá ser a maior diferenca entre mim e estas mulheres.

Se elas SENTEM, disfarcam muito bem.

Se conhecem sensacoes e dores da alma tao típicos dos latinos, entao escondem-no na perfeicao.

Vejo estas mulheres como seres a quem foi retirado o direito de SER e sentir.

Máquinas insensíveis com alvos a atingir (dinheiro/marido ou amante rico que as sustente economicamente) e sem a menor ideia do que significa FELICIDADE PURA ou um coracao partido. Nao se pode partir aquilo que nao se possui.



E a lista poderia continuar por aí fora...de tanto desalinho sou eu feita.

E olho para estas mulheres com um misto de incompreensao e pena pela sua imensa ignorancia e desumanidade.

Curiosamente, também elas me olham da mesma forma. Ser LIVRE e HUMANA, num mundo em que a Mulher ainda é objecto e propriedade, pode ser a coisa mais cansativa e mortal do mundo...elas sabem-no e eu também.


Eis algo que temos em comum.




1 comment:

  1. Como sempre, Sweet Lilith Sister, muito revelador.

    Obrigada pela partilha*

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