Saturday, June 27, 2009


Cairo, dia 12 de Junho, 2009


“Campanha de luta contra o assédio sexual no Cairo”

*** É facto conhecido que o famoso pacifista Mahatma Ghandi não participava em campanhas contra a guerra. Fazendo justiça à inteligência e sensibilidade que lhe eram atribuídas, Ghandi proclamava que seria útil juntar-se a uma campanha pela PAZ e jamais uma campanha contra a guerra. Sei que, à primeira vista, ambas possuem a mesma base ideológica e parecem ir dar ao mesmo objectivo mas, no entanto, não podiam ser mais distintas.

*** Supondo que Ghandi aceitava – nunca o fez! – participar numa campanha contra a guerra, estaria a exacerbar, fazer crescer (como o fermento subrepticiamente inserido numa receita de um bolo já de si colossal) a energia, a atenção, o poder e a importância da GUERRA.

*** Ora se aquilo que ele desejava, mais que tudo, era a PAZ, faria sentido marchar e inflamar as multidões no sentido da PAZ e em tudo o que em prol da mesma se teria de fazer.

*** Não preciso de ser Ghandi para concordar com ele. Se este fosse vivo e estivesse de passagem pelo Cairo actual ou até mesmo, quem sabe, vivesse num apartamento perto de minha casa (porque carga de água é que o Ghandi viveria perto de minha casa?! O.k, adiante...), teria muito que se queixar e refutar.

*** Existe uma campanha criada por um grupo de jovens egípcias universitárias – idealistas e activas, o que é de admirar e apoiar numa sociedade em que ninguém parece mover-se para trocar um pneu – que visa lutar contra o assédio sexual nas ruas do Cairo. Até aqui, tudo bem. Mas existe um senão...

*** Fiquei surpreendida por saber existem tantas mulheres que sofrem horrores com este fenómeno do assédio sexual generalizado de tal forma que não existe local nem circunstância da esfera pública durante os quais estejamos livres do mesmo. Nem mesmo a segregação sexual – nas piscinas e transportes públicos, nos ginásios, mesquitas, etc – ajuda a controlar esta epidemia, especialmente por ser uma das tais tácticas “contra o assédio sexual” e não uma prática a favor do respeito pelas mulheres.

*** A intenção é boa, sim senhor. O desespero é ainda maior, sei disso por experiência própria (principalmente no Verão quando não sei se prefiro morrer rapidamente sufocada com roupa a cobrir-me ou morrer lentamente de nervos esfrangalhados devido ao assédio e ataques constantes dos homens).
Mas, quanto a mim, a batalha está perdida porque a luta está mal direccionada.
No artigo onde li acerca desta campanha, a autora apela a que as mulheres vítimas de assédio sexual denunciem a situação às autoridades e não fechem os olhos nem a boca quando alguém as assedia, apalpa, persegue ou viola.

*** Bonito. Muito bonito e com um espírito justiceiro que me traz lágrimas aos olhos mas totalmente afastado da realidade do país e daquilo que, realmente, acontece.
A questão estará em educar e civilizar mães, primeiro que tudo, para que eduquem os seus respectivos filhos com o sentido de respeito e apreciação pela Mulher. É normal verem-se mães egípcias ou árabes sem o mínimo controle sobre os filhos homens. As raparigas são criadas em gaiolas cheias de restrições mas os rapazes são os reizinhos chauvinistas lá de casa e ai da mãe que se atreva a contrariar o futuro varão do clã...deprimente!
Já assisti várias vezes a mães e pais incentivando meninos de cinco anos e até menos a mandarem piropos de mau gosto a raparigas que passam e...adivinharam!... às bailarinas.

*** “Vá lá, filho! Dá uma palmadinha no rabo da moça para toda a gente ver que já és um homenzinho!” – Diz o pai perante o sorriso embevecido da respectiva progenitora que, por sua vez, aceita que o marido mande piropos a outras mulheres e a traia constantemente com amantes que, frequentemente, se tornam segundas e terceiras mulheres (o homem árabe e egípcio vivendo sob a lei islâmica pode casar com o máximo de quatro mulheres, caso as possa financeiramente sustentar de forma equalitária).

*** Campanhas contra o assédio sexual?! Denunciar os ataques?! A quem?! Os polícias e autoridades são os que mais assediam e desrespeitam as mulheres.
Eu, que até sou boa pugilista e me levanto depressa depois de cada queda, já cheguei a andar à real batatada com homens na rua depois de estes me terem perseguido e assediado para, no final da contenda, ter tentado apelar à justiça e acção de um polícia que, aproveitando a oportunidade de ver e falar com um bifinho português, me assediou tanto ou mais do que o atacante inicial.
Episódios verídicos mas tão absurdos que até a mim, que os vivi, me custam a acreditar serem verdade.

*** Não nos calarmos sempre que alguém nos assedia?! Hmmm...que idealista...muito “Che Guevara” em tempos de guerrilha na Serra Leoa...aliciante mas...totalmente impraticável.
Se eu não me calasse sempre que sou assediada, já estava afónica. É essa a triste – e até tragico-cómica – verdade. Quantas vezes, por dia, sou assediada? Diria que, num dia normal em que apenas vou ao ginásio, um almoço com amigas e trabalho à noite...deixem-me contabilizar...devo ser assediada uma média de 35 vezes, no mínimo. Isto seria um dia calmo.(???) Quer dizer que teria de berrar, espernear e ir à esquadra mais próxima com o malandro pelos colarinhos cerca de 35 vezes num só dia? Parece-vos viável?

*** Partindo do princípio que estas mulheres activistas embarcam, de facto, no nobre propósito de dar cabo de cada um dos mal feitores, avisto apenas uma solução: cada mulher contrata um guarda-costas que envergará uma moca de Rio Maior para dar na cabeça de cada um dos ofensores e um saquinho de pedras aguçadas para mandar aos carros que persigam as vítimas indignadas. 24 horas por dia, sem descanso excepto quando se está dentro de casa e não se vai receber nenhuma visita do homem que faz a contagem da luz, do gaz, da água e afins.
*** Que vos parece? Viável?

*** Ninguém, mais do que eu, seria mais a favor de uma campanha a favor a educação dos homens e das mulheres – principais educadoras e transmissoras de valores e mentalidade – e de uma campanha de sensibilização à Mulher e à sua dignidade como ser humano mas não contem comigo para esta campanha bem intencionada contra o assédio.

***Valorizar e dar atenção ao lixo nunca fez com que este desaparecesse.

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