Cairo, dia 11 de Maio, 2009
“De regresso ao trabalho! Casamento de arromba...”
O regresso ao trabalho não podia ser melhor, apesar do braço de ferro que tenho travado com a gerência do local que tem o meu contrato de trabalho na mão.
Depois de me ter negado a actuar – resultado da ausência de pagamento pelo meu trabalho e uma nítida falta de respeito pelos responsáveis do local que não souberam valorizar aquilo que eu tenho provado valer, na prática, durante mais de dois anos de trabalho quase diário – vi-me numa medição de forças com homens no poder que nada sabem sobre gerência, boa educação e respeito. Este fenómeno é bastante comum no Egipto e resultado, sem dúvida nenhuma, das fortunas que se fazem através da corrupção e dos postos de poder que se conseguem através de artimanhas, traições, prostituíções de todo o tipo – aplicadas a mulheres e a homens – e aquela capacidade essencial num país como o Egipto a que se chama, em bom português popular, “ser-se chico esperto”. A inteligência e o mérito de muito pouco servem num país como este. Em vez disso, convém ter “olho e mão ligeiros”, saber quem bajular, a que portas bater e a quem se submeter de forma a conseguir favores – que têm, invariavelmente, um preço alto a pagar – que reverterão a nosso favor na forma de oportunidades profissionais e títulos.
Desde que me recusei a trabalhar sem o meu pagamento em dia e sem um pedido de desculpas formal da parte da gerência, vi o meu calendário de espectáculos reduzido a uma quinta parte do que é e distribuído por bailarinas que não são exigidas nem apreciadas pelo público como eu. Fui informada que este era um castigo a ser aplicado por insubornidação, visto que me foi implorado que actuasse nessa fatídica noite em que decidi que seria a última vez que era desrespeitada no meu trabalho.
Consigo escutar as vozes indignadas dos gerentes sussurrando entre eles: “Quem é que ela pensa que é?! Uma bailarina!!! Uma bailarina fazendo-nos frente...temos de a colocar no sítio!”
A verdade é que acabo por ser eu a colocá-los a eles no sítio deles, o mesmo sítio onde habitam os ignorantes e pobres de espírito.
Quando o chefe da minha orquestra e outros gerentes questionaram a razão pela injustiça aplicada ao meu calendário de espectáculos, foram informados que eu tinha sido rebelde e me tinha queixado que o meu pagamento não era feito há mais de 15 dias! Os pagamentos de toda a gente estão sempre atrasados e ela é a única que se queixa...com que direito?!!!” Foi esta a resposta que o descendente de Einstein deu aos pedidos de explicação daqueles que sabem que não sou apenas a bailarina mais apreciada daquele local mas também a mais cumpridora, bem educada e responsável em todos os aspectos do meu trabalho.
Como em tudo na vida...vejo neste braço de ferro ridículo uma oportunidade valiosa de mudança...e aqui vou eu que ninguém me pára!:)
*** Casamentos egípcios!
· O mercado dos casamentos é um dos mais férteis do Egipto e uma fonte considerável de rendimento e fama para os artistas que nele conseguem entrar. Os lobbys para entrar no fechado círculo dos casamentos egípcios são tão fortes como os que conheço nos “night-clubs” e hotéis mas, pouco a pouco e sem contactos que me abram portas, vejo-me a entrar nesse mundo paralelo onde os espectáculos ajudam a criar a memória de um dos dias mais importantes na vida de um ser humano. No caso dos egípcios, o dia mais importante das suas vidas, logo a seguir ao nascimento dos seus filhos.
· Normalmente, a entrada neste mercado é feita pelo lado da cama – o tradicional! – ou pagando consideráveis subornos às pessoas certas para que comecem a propor o nosso trabalho aos casais que recorrem a empresários e agências. Pondo de parte o caminho da cama, a questão é: a quem pagar?! Como? Quanto?
· Tal como sucede em várias outras áreas da vida no Médio Oriente, existem sistemas e verdades vigentes das quais jamais se fala como se de um comum acordo se tratasse sem necessidade de ser mencionado ou reconhecido como real. Ninguém me disse como funcionava o sistema de subornos para fazer avançar tudo e mais alguma coisa (e eu não fiz outra coisa senão questionar sobre o assunto) e, no entanto, eu aprendi à minha custa que é assim que tudo começa e avança sendo necessário um certo talento para ir ter às pessoas certas e gerir esse sistema silencioso em que todas as peças do “puzzle” se encaixam sem alarido nem complacência pelos valores e honestidade alheios. Tal como aprendi a falar o dialecto egípcio sem intermedários, também aprendo – mal e porcamente, devo reconhecer – como se tecem as malhas do submundo da dança no Cairo. Este não é o meu mundo e, no entanto, sou obrigada a nele veicular para poder dar passos valiosos na minha carreira. Como sempre, a história da flor de lótus reluzente no meio do pântano mais sujo...assim eu me sinto, lutando para me manter limpa e à luz do dia estando rodeada de pântanos com sapos feios que se fazem passar por príncipes encantados. Como andar pela lama sem me sujar, é essa a questão???
· O meu regresso à rotina de trabalho no Cairo não podia ter começado de melhor forma! Um casamento onde toda a gente parecia estar, verdadeiramente, feliz e onde foi tratada como uma verdadeira estrela!
· Pela experiência que tenho, já me apercebi que o trabalho de casamentos é de uma natureza especial e à parte do que se faz nos hotéis e night-clubs. O mais importante num casamento egípcio é contribuír para uma atmosfera de amor e alegria e dar tudo o que temos para tornar essa noite especial o mais feliz possível. A audiência participa activamente no espectáculo, mais do que já é costume e o objectivo máximo não é produzir arte mas sim levar os presentes a momentos de felicidade e união. O casamento e os noivos são os verdadeiros protagonistas deste tipo de espectáculo e não a bailarina. Entretenimento com sentimento e não tanto um espectáculo completo onde a ARTE engloba todo o tipo de sentimentos e “moods”.
· Ao contrário do que eu previa antes de ter feito o meu primeiro casamento, acabei por adorar este tipo de trabalho porque as pessoas que me contraram costumam ser – até agora – gente bonita, bem disposta e muito bem educada que sabe apreciar e tornar o meu trabalho ainda mais prazeiroso. Embora tenha o reportório condicionado à ocasião, os noivos e convidados costumam ser tão carinhosos e fantásticos comigo que acabam por compensar os limites que tenho em relação à escolha das músicas.
· Além disso, existe o factor da satisfação emocional de sentir o amor dos noivos, ver tanta gente feliz e em plena celebração, o brilho nos olhos dos que se amam e acreditam que tudo é possível e eu no meio desse oceano ainda infinito deixando uma marca numa noite que marcará a vida dos que se casam e me pediram a mim, exclusivamente, para os abençoar com a minha dança. Emocional e gratificante.
· Esta época de trabalho não podia ter começado melhor! VIVA O AMOR!
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