Saturday, June 27, 2009

Cairo, dia 2 de Junho, 2009

“Novo Curso de Verão no Cairo –
Todo o mês de Junho, em Maadi!”


Ensinar um grupo com quem me reúno dia após dia, semana após semana possui uma magia que não se resume à dança ensinada/aprendida.
Tudo o que faço, penso ou digo no meu trabalho é personalizado. Por mais que tente – e que tenha sido aconselhada a fazer, especialmente aqui no Egipto – não consigo ser fria, calculista e impessoal na minha profissão. A relação que mantenho com os meus músicos é totalmente anormal tendo em conta os problemas e conflitos constantes que a maioria das bailarinas no mercado referem, bem como a relação que acabo por criar com as minhas alunas.
Ensinar Dança Oriental é muito mais do que passar uma técnica, movimentos e passos, sensibilidade musical ou qualquer uma das muitas qualidades que têm de se adquirir durante o processo de aprendizagem – inacabado, permanentemente... – mas também ver em cada aluno uma dor que precisa de ser transformada, insuguranças a serem ultrapassadas e características únicas que pretendo trazer à luz do dia através da dança que lhes ensino.
A Dança Oriental é, para mim, um pretexto para ajudar estas alunas - a quem acabo por me apegar como a amigas – a chegarem a uma vida melhor consigo mesmas. A finalidade secreta das aulas desagua nessa fortuna maior de se amar a si mesmo e trazer o que de melhor se tem ao mundo.
Sinto-me imensamente feliz por anunciar que ministrarei o meu primeiro curso de Verão no Cairo durante todo o mês de Junho e talvez Julho/Agosto, caso tenha disponibilidade para tal.
Caso viagem até ao Cairo este Verão, poderão unir-se ao curso (basta contactar-me e pedir detalhes através do meu email: dancemagica@gmail.com ou telemóvel : 002 – 012 258 8817

*** O que mais te irrita no Cairo?!

Observei uma das alunas da aula de hoje enquanto executava um exercício proposto e não pude deixar de notar como estava tensa, nervosa, com uma expressão corporal e energética agressiva e muito zangada.
“O que mais vos irrita no Cairo?!” – Foi a pergunta que fiz assim que parei a música e olhei nos olhos às alunas que estavam na minha frente, sabendo que a primeira a saltar com a resposta seria a aluna em quem eu tinha sentido tanta tensão e desalinho. Assim que lancei a questão, fui presenteada com um chorrilho de respostas que me recorda, uma vez mais, que os estrangeiros necessitam comunicar, trocar experiências e desabafar (encontrando algum conforto e mútua compaixão) entre si. A vida neste país será sempre um desafio para os locais mas, principalmente, para quem vem de fora. Estas aulas que tenho o privilégio de ministrar são também um ponto de encontro durante o qual as alunas podem libertar tudo aquilo que de positivo e negativo vão acumulando resultado da vivência num país que não é meigo nem fácil para ninguém.

Eis as respostas que obtive do grupo:

Irrita-me que nos digam sempre sim a tudo sem que isso se reflicta na verdade e na acção. Os egípcios jamais nos dirão que não podem, não sabem ou não querem fazer determinada coisa ou atender um pedido. A palavra NÃO parece ser o equivalente a um valente palavrão no nosso idioma.
- Sabe por onde vou para Zamalek? – Pergunta-se a um taxista, confiantes que apenas nos dará a direcção se a souber.
- Então não sei?! Vai sempre em frente, depois vira na primeira à esquerda e encontra uma rotunda. Contorna a rotunda e vira na terceira à direita e está em Zamalek. Simples! – conclui o taxista com uma convicção que nos poderia convencer que é ele, sem tirar nem pôr, o presidente Hosny Mubarak em pessoa num ritual diário de humildade e contacto directo com o povo do país que governa.
Acabamos por seguir, inocentemente, as indicações do taxista e vamos parar ao deserto, bem para lá de Gizé e das famosas pirâmides onde os turistas de todo o mundo querem entrar ( e ali sufocar!).
Palavra e verdade raramente se unem, o que pode causar bastante frustração, desconfiança, descrença e...sim, irritação.

“Bokra, Inshah Allah!” Esta é uma variante da irritação Nº 1 e ambas se complementam. “Amanhã, se Deus quiser” é uma expressão típica dos egípcios e cobre todo o tipo de revezes do destino, significando :
*** Sim, pretendo cumprir o que combinámos mas estou sujeito à vontade e desígnios de Deus e, por isso, a ele me submeto e afirmo que cumprirei a minha palavra se Deus quiser.

*** Hmmmmm....pode ser que sim, pode ser que não. Vai depender da minha disposição e da eventualidade de ter algo mais aliciante em vista. Talvez cumpra o nosso compromisso mas não me responsabilizo se Deus se esquecer de colocar o alarme do meu relógio a tempo de acordar para o trabalho que me comprometi cumprir. Tenho um “feeling” que Deus não vai estar atento ao raio do alarme...hmmmm...é apenas um “feeling” e eu não me costume enganar. É o “feeling” e são as previsões dos jogos do Farense. Raramente me engano...mas, se Deus quiser...

*** Não, pá...acordar cedo numa sexta-feira e, ainda por cima, no Verão é para os parvos e fracos de espírito! Não me vou levantar às horas que me pedes para cumprir com o combinado mas coloco Deus no meio da equação e rezo – não literalmente, porque planeio passar a manhã na cama com a minha Zeina/Mona/Leyla... – para que não me chateies a cabeça quando sentires que te deixei pendurada. Não tenho a mínima intenção de cumprir com o combinado mas dizê-lo na tua cara seria falta de chá. No fundo, é preferível deixar-te especada à minha espera do que dizer-te que NÃO, embora também isso não possa ser dito na tua cara.

Falta de civilidade e educação nas ruas, lojas, departamentos público de todo o género e no meio do trânsito. A matrona coroada de ouro e enfestada de perfume epidémico que se coloca à frente de toda a gente na fila de espera dos correios, os carros que nos ultrapassam sem aviso nem cuidado ou os outros que nos “roubam” o lugar no estacionamento quando vêm que o lugar é, supostamente, para nós depois de termos estado 15 minutos à espera do mesmo, etc.
A sujidade desnecessária e a facilidade com que se lança lixo para o chão, o senhor que urina na via pública como se estivesse na sua casa de banho, a mãe amantíssima que coloca o seu querido bebé a defecar na esquina do supermercado e ainda espera que os transeuntes lhe achem graça e por aí além...todo um cardápio de detalhes apetitosos que, colocados juntos e em dose diária, resultam numa reacção como a que tiveram as minhas alunas:
Explosiva!

· Sim, tudo isso é verdade – upps! – mas, vivemos aqui por opção e, por mais que nos irritemos e tentemos mudar as pessoas e a realidade à nossa volta, a verdade é que estamos a remar contra a maré e, no fim, o lixo continua onde está, o “Amanhã, se Deus quiser” permanece vazio de consistência e quem e desgasta somos nós.

· Proponho sempre o óbvio: Procurar o positivo no país e, em concreto, nesta cidade complexa onde o amor e o ódio andam de mãos dadas. Buscar aquilo que é belo, generoso, produtivo, interessante e não nos fixarmos no negativo que é tão óbvio e discutido por estrangeiros à beira de um ataque de nervos.

· Este exercício nem sempre é fácil de colocar em prática, embora o conceito seja simples! Para mim, é mais uma arma de sobrevivência e subsistência. As perspectivas de envelhecer precocemente, ter um esgotamento nervoso, matar alguém pela popular técnica “aperta-lhe o gargalo” ou tornar-me numa rocha azeda (existem rochas azedas?!) não me aliciam. No fundo, as opções não são vastas ou indefinidas: ou nos concentramos nos aspectos negativos da vida de cá ( e as minhas alunas possuem, na sua esmagadora maioria, vidas muito privilegiadas em comparação à minha própria vida) e insistimos na possibilidade de mudar os outros ou seguimos apreciando o que o país também tem de bom e agradecemos a experiência única que é viver no Egipto.

· É triste quando nos tornamos numa máquina de propagando destrutiva anunciando ao Universo e outras galáxias que este país é torto, molhado, indescritivelmente atrasado e impossível de se aguentar.

· Entre uma e outra opção, qual escolheria?

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