Saturday, June 27, 2009

Cairo, dia 16 de Junho, 2009


“Festival de Nile Group e Aula com Mahmoud Reda, “one more time”...”

Mahmoud Reda sendo homenageado pelos 50 anos da existencia da "Reda Troupe"
*** A perspectiva de quem conhece um objecto desde o seu interior é sempre diferente da perspectiva obtida à superfície do mesmo. A ponta to iceberg não nos informa da verdadeira dimensão de tudo o que dele está imerso por água.
Sem buscar saber tanto do que sei, acabo por ver e ouvir mais do que gostaria e, assim, compreender a realidade que me rodeia de forma multi-dimensional.
Os podres do meio artístico da Dança Oriental não são novidade para quem lê este “Diário do Egipto”, bem como as maravilhas que o compõem.

*** Não sou adepta de grandes críticas negativas por várias razões. Dizer que não gostei de algo não constrói absolutamente nada e criticar negativamente colegas – artistas ou não - que trabalham no mesmo círculo fechado que eu soa-me bastante mal.
Prefiro apenas referir os pontos positivos quando se trata de criticar bailarinas do meu mercado, por isso, aqui vamos...quando não enfatizar alguém ou o seu trabalho, significa – normalmente – que não me agradou por aí além.

*** Gala de abertura do “Nile Festival”:

Bailarinas: Nancy (egípcia), Nour (russa) e Camelia (egípcia);
Não cheguei a tempo de ver a Nancy que ficou, depois da sua actuação, sentada ao meu lado com um ar de cachorrinho abandonado. Muito simpática e educada mas deslocada do ambiente do Festival.


Nour: bailarina com quase vinte anos de trabalho no Egipto sendo que já não actua regularmente no Cairo há, pelo menos, tres anos. É uma bailarina muito respeitada e inteligente, super séria no que faz e com um amor visível à dança. Respeita-se a si própria e áquilo que faz e isso nota-se. Apenas um “senão” (não consigo resistir...tenho de dizer o que penso!):
Respeitar a Dança Oriental não quer dizer que temos de a ver como uma oportunidade de entrar para o Convento das Irmãs Franciscanas. Quero dizer com isto que lhe falta, a meu ver, a garra e sensualidade que são próprias desta arte. Demasiado pudor, certinha até mais não, mecânica e correcta em todos os movimentos. Nada a ver com o “feeling” verdadeiro, meio louco e visceral que eu gosto de ver numa bailarina. Em defesa da Nour, devo acrescentar que muito desse ar de monja deverá vir da sua educação e personalidade e ela apenas se limita a ser si própria (isso é positivo!) mas, pessoalmente, prefiro criatividade e talento ao certinho e ao púdico.




NOTA: O.k, já entrei em total contradição quando referi que não criticaria negativamente as minhas colegas. Não pude resistir dizer exactamente aquilo que sinto. Foge-me sempre a boca para a verdade...

Camelia :
Ponto polémico da noite – como penso que foi intenção da bailarina criar – porque toda a gente com quem falei me pareceu ter detestado o espectáculo da Camelia e eu gostei. Não me deslumbrei, não fiquei sem ar nem me emocionei mas vi muitíssimos pontos de interesse e usufruí de um espectáculo que me deixou interessada e curiosa pelo que havia de vir do início ao fim. Eis o que me encantou:

Escolha das músicas: Excelente. Bom gosto, originalidade, oposto de todo o facilitismo das bailarinas que escolhem músicas que presumem agradar ao público mas que não lhes agradam a elas e às suas almas. Adorei todas as músicas interpretadas e senti que havia um claro conhecimento da matéria e bom gosto da parte de quem quer que seja que compôs o programa do espectáculo.




Personalidade: Total. A Camelia, goste-se ou não, é ela mesma e não está minimamente interessada no que os outros digam. Por vezes é horrível, vulgar, intensa ou simplesmente despropositada mas sempre ELA MESMA e isso requere coragem e carácter. Para mim, este é o grande ponto forte da Camelia e muito se tem a aprender com a sua ousadia.
Adereços e originalidade nos conceitos de cada dança:
“Shamadan” – candelabro – com “sagats”, pulseiras indianas nos tornozelos com as quais ela criou um efeito percussivo em resposta à “tabla”, “assaya” – bastão – e muita loucura nos passos e movimentos que ela deve ter aprendido numa escola em Plutão (estranho, estranho, estranho...). Houve uma óbvia preocupação por apresentar algo de original, novo e controverso.






Existem várias formas de deixar uma impressão na mente do público... A Dina tem usado escândalos sexuais, roupas totalmente reveladoras e movimentos que não deixam espaço à imaginação para se auto-promover durante toda a sua já longa carreira e a Camélia também parece ter essa noção exacta de “marketing” que se baseia na célebre frase “falem mal ou bem de mim, o importante é que falem!”






. Nada do que vi em palco de estranho foi lá posto ao acaso, disso tenho a certeza...houve quem detestasse, quem abominasse os espasmos, “close-ups” de traseiro e gestos baratuxos e tal mas, o que interessa é que, no fim, toda a gente ficou a falar nela...assim se criam nomes neste meio artístico e a Camelia parece sabê-lo muito bem.




· O que não me agradou tanto (a Nour apanhou, a Camelia também tem de apanhar... L ):
Excesso. Excesso de esforço. Excesso de tentar chocar e inovar dando origem a um estilo que não é oriental nem é estilo nenhum. Tentativa de incluir estilos de dança que ela não domina e que resultam frouxos, amadores e sem beleza estética.
Excesso de insegurança e de ânsia de provar algo diante do público resultando em rasgos de agressividade e ataques nervosos que saiam do contexto, do ritmo, da música, daquilo que ela estava a sentir.
Excesso de vulgaridade – bem diferente de sensualidade - em muitos dos movimentos que fez questão de frisar (traseiro, traseiro, traseiro...virado, espetado, apontado, freneticamente abanado na cara do público).




Sei, por experiência própria, que a necessidade de provar algo ao público e a insegurança criam autênticos desastres. Correndo o risco de me parecer com uma pseudo-analista de quinta categoria, ouso supor que os momentos e aspectos que não me agradaram do espetáculo da Camelia têm a ver com uma enorme insegurança e medo de não ser “suficientemente especial”.
Consigo sentir quem está do lado de lá, em cima do palco, nas luzes da ribalta onde todos nos julgam e pensam saber fazer melhor... (é fácil criticar quando se está sentado a olhar).
Apesar de tudo o que lhe apontaram de negativo – incluindo eu – a Camelia foi a única bailarina que, em muito tempo, me conseguiu despertar o interesse.

Companhia:



O meu querido Mahmoud Reda com quem, mais uma vez, me ri às gargalhadas durante a noite inteira e a quem foi oferecida uma mais que merecida homenagem por ter sido o 50º aniversário da “Reda Troupe” da qual ele é fundador e criador artístico.
Agrada-me, acima de tudo, o amigo e não apenas o artista. Não consegui conter as lágrimas quando o chamaram ao palco e falaram sobre ele, o seu fantástico contributo e o seu bom coração (tradução: “Dei barraca da grossa!”).

Aula com o Mahmoud Reda :



Por mais que conheça o seu estilo e coreografias, nunca deixo de sentir um imenso prazer ao ajudar nestes workshops onde eu aprendo mais do que ensino.
Mais uma vez, muito riso e “private jokes” (o riso é um denominador comum da nossa relação...haverá melhor sinal que esse?!), dança e partilha. O grupo de alunas era maravilhoso e simpático, extremamente concentrado e interessado em aprender (assim dá gosto ensinar!!!).
Saí da aula cheia. Cheia de novas emoções e ensinamentos, cheia de alegria pela oportunidade de aprender com o meu amigo querido e cheia de gratidão por estar aqui, fazendo o que faço e sendo quem sou.

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