Sunday, December 19, 2010



Cairo, dia 19 de Dezembro, 2010




Episodios nocturnos






Nada demais, na verdade...


A noite comecou com um ensaio divertidissimo com a minha orquestra.
O ambiente que criamos foi inesquecivel, como ja e' frequente. Qualquer pessoa que tenha a oportunidade de assistir a um ensaio meu (e e' rarissima a pessoa a quem eu o permito) sabe do que falo: os meus ensaios nao sao os tipicos "ensaios" de uma bailarina na lideranca de um grupo.
Os meus ensaios sao festas, tertulias musicais e culturais onde se misturam cancoes, anedotas, historias de grandes bailarinas com quem alguns dos meus musicos trabalharam, duvidas, risos e entusiasmos. Sou feliz nestes ensaios e creio que os meus musicos tambem o sao. Isso BASTA!


Sem agir com agressividade, eu lidero os meus musicos. Respeitando-os, eles respeitam-me.


Apesar de virmos de bases de educacao e mentalidade totalmente distintos, existe um ponto comum que nos une: o AMOR a MUSICA EGIPCIA e a ARTE!


Esse AMOR vale por mil pontes. Ele apaga as diferencas e distancias entre mim e estes homens que, noite apos noite, me dao o seu saber, a sua tecnica e experiencia e, acima de tudo, a sua INSPIRACAO e SENTIMENTO.




O ensaio...


Tudo comeca comigo sentada no meu trono, qual Rainha.
A reverencia e respeito que os meus musicos nutrem por mim enternece-me e constroi um ambiente interno em mim que me deixa segura, confortavel, feliz. Ser respeitada e' e sempre foi ESSENCIAL para mim. Sem esse respeito, eu paralizo.
E' como a mentira, a musica mal interpretada, a maldade, a fealdade em todas as suas formas: eles paralizam-me.




Por isso eu sinto-me bem, estavel e calma entre os meus musicos.


Eles fumam os seus cigarros (sempre pendurados nos dedos que tocam os instrumentos), o seu haxixe e outras drogas do sub-mundo dos musicos egipcios.


Eu olho tudo com naturalidade.




Comecamos a ensaiar o programa para essa noite e outras musicas surgem das memorias de quem ja viveu e criou musica em tempos de Ouro da Danca Oriental. O meu acordeonista trabalhou muitos anos com Nagwa Fouad e com Azza Sheriff, ambas artistas reconhecidas e com repertorios musicais fantasticos. O percussionista trabalhou com a minha favorita: Souhair Zaki e conta como ele ensaiava com os seus musicos.


Alguem faz uma piada e nos rimo-nos. Eu entorno parte do meu cappuccino porque o riso me faz estremecer a mao que agarra a chavena. Sabe muito bem...nada perfeito mas muito gostoso!






*** Somos avisados da existencia de pessoal VIP na sala. Cuidado!!!


Eu rio-me, como sempre. O conceito que tenho de pessoal VIP nao passa por pessoas de dinheiro ou poder sobre os outros. Rio-me sempre.




*** A minha constipacao galopante nao me impede de dancar, talvez encantar e encerrar o primeiro espectaculo com aplausos que me souberam pela vida.


Procurei ser mais VERDADEIRA no meu movimento.


Nao mostrar tanta danca (movimentos e tecnica) e mostrar mais ARTE no sentido em que COMUNICO SENTIMENTOS verdadeiros com o publico e consigo que essa mensagem chegue ao seu destinatario eficazmente.




*** Busco novas solucoes para cada segundo de musica. Fecho os olhos e olho a audiencia mas nao vejo ninguem. Vejo-me a mim propria, por dentro. Isso centra-me, re-coloca-me os pes no chao, bem enraizados.


Depois fixo o olhar nalgumas pessoas, tendo o cuidado que nao sejam homens para nao armar sarilho com namoradas, esposas, amantes e afins... um pouco de diplomacia pode evitar grandes dramas matrimoniais.




*** Sessao fotografica com audiencia no final do espectaculo. Muita gente se surpreende que eu nao seja egipcia. Parece que continuam a publicitar-me como produto nacional egipcio!


Que fazer?


Falo com pessoas da India, de Espanha, do Japao, do proprio Egipto e de Abu Dahbi.


O mundo a minha volta.:) Sabe bem...




*** Um dos meus musicos explode em espasmos e desmaia. A explicacao oficial da orquestra que o reanima: foi um "djin" (espirito) que o possuiu.


Pois...ja me tinhas dito! Nao foram as drogas multiplas que ele toma em jejum que o fragilizaram e fizeram desmaiar. Foi um tal de um espirito maroto e malefico que quer incomodar o rapaz!


Oh, my God...




*** Novo ensaio segue adiante, enquanto o musico convalescente volta a si, lentamente.


Pergunto se nao sera melhor chamar um medico ou leva-lo ao hospital. Dizem-me que nao, que basta recitar algumas frases milagrosas do Sagrado Corao ao ouvido e o espirito malefico vai embora. "Diz que sim..."




*** A noite segue com mais dois espectaculos dos quais o pobre musico "possuido" e' dispensado.


Os outros musicos agem como se nada fosse. Isso deixa-me perplexa.


Os egipcios conseguem ser tremendamente frios face ao sofrimento alheio. Nunca me habituei a este aspecto da vida de ca. Parece-me que estao demasiado habituados a crueldade e indiferenca emocional e dai nada os entristecer e acharem que o sofrimento alheio e' algo insignificante.


Ha coisas que nunca consegui compreender...




*** O proximo espectaculo esta repleto de espanhois o que, a partida, seria um bom prenuncio.


Curiosamente, e ao contrario do que eu supunha vir a acontecer, a reaccao dos espanhois foi ficarem PETRIFICADOS a olhar para mim apenas interrompendo os seus olhares de Medusa para me filmar e fotografar como se eu fosse a Quarta Piramide de Gize.




*** O terceiro espectaculo foi um sonho...talvez do meu estado de saude fragil, talvez do cansaco e do frio, talvez de tudo aquilo que me deixa calma e desarmada, eu evado-me e apenas escuto a musica. Nao tenho ideia do que estou a fazer, deixo apenas que os movimentos, os olhares e os sentimentos fluam sem redeas e que o publico os apanhe no ar.


Recordo este ultimo espectaculo como um sonho sabendo que, frequentemente, so os SONHOS sao REALIDADE.




*** Assim que coloquei a cabeca na almofada, adormeci num daqueles sonos profundos dos quais se acorda como recem-chegados de uma viagem longinqua.


Hhhmmmm...esse sabor agri-doce da vida VIVIDA em LIBERDADE...


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