Cairo, dia 21 de Dezembro, 2010
"A Nausea" (Jean Paul Sartre reinventado)
Se Jean Paul Sartre vivesse no Egipto nos tempos que correm, a sua famosa obra "A Nausea" teria sido, incontestavelmente, escrita de outra forma e com outro fulgor.
Quando vinha ao Cairo em viagens de estudo consecutivas, ha 5-6 anos atras (nao se trata de uma eternidade atras, como podem ver!), escutava musica em todo o lado.
Das lojas saia musica, dos carros saia musica, da casa das pessoas e dos jardins saia musica. Essa foi uma das razoes que me fez apaixonar-me por esta cidade louca: a omnipresenca da MUSICA e a alegria que ela trazia aos egipcios, que sem demora, davam uns passos de danca onde quer que se encontrassem. Nada de pudores, vergonhas, culpabilidades por entrarem no perigoso limbo entre o permitido e o NAO PERMITIDO por Deus.
Os extremismos religiosos eram guardados para a altura do Ramadao, mantendo o resto do ano por ser disfrutado de forma...HUMANA e LIVRE.
Em todo o lado, havia musica e DANCA ( as duas andam sempre de maos dadas).
Pois que fenomeno este de anular a musica da cidade?
Em vez de musica, existem "sheiks" super star que lancam cassetes com recitacoes variadas do "Corao".
Em vez de musica, so se escutam as vozes anasaladas, furiosas (???) e, frequentemente, aterrorizadoras dos "muezzin" pregando a Ala como se o mundo fosse acabar daqui a um minuto.
Jean Paul Sartre reinventaria a sua nausea porque e' que NAUSEA que se trata.
Ja nao posso ouvir o Corao atirado ao ar com tamanha furia, um pouco por todo o lado.
Suspeito que existe uma onda de odio contra a musica - e danca - correndo, veloz, pelo Egipto! So assim se justifica que, em cerca de cinco anos, o panorama sonoro do Cairo tenha mudado tao radicalmente.
O ruido do transito era compensado com a musica e com os sorrisos que ela trazia aos egipcios exaustos de uma vida dura e sem esperanca. Agora parece que so "muezzin" enfurecidos pregando a Ala e condenando almas acompanham esses mesmos egipcios que amavam e celebravam a danca com naturalidade e alegria.
Sou eu, e nao Jean Paul Sartre, quem sente nausea de tanta lavagem cerebral, tanta carneirada, tanta ausencia de musica, arte, prazer, alegria. Que aconteceu ao "meu" Egipto???
Sera que o Deus destes egipcios e' contra a ALEGRIA e contra a BELEZA?
Que sera que faz com que alguem considere a musica "haram" (proibida/ilicita)?
Quem sera que se odeia tanto a si mesmo e odeia tanto a vida que a considera impossivel de CELEBRAR?
Estranhos fenomenos...
No meio destes "sheiks" furiosos, existem alguns que possuem vozes bonitas, tranquilas e comunicantes de uma PAZ que se aproxima de DEUS. Mas estes sao raros...
Ja nao bastava aniquilarem a presenca da MUSICA da vida publica ( e privada) do Cairo mas ainda lhe acrescentam uma avalanche de pregadores enfurecidos (com quem? com o que?), gritando e esperneando - imagino eu!- apontando dedos e culpas a quem nao conhecem, ao ar, as arvores, aos passaros que correm (sem permissao) nos ceus agora mais pesados desta cidade.
Onde quer que se esteja, a musica PARA todos os dias a hora da reza das 5h da tarde. No ginasio, no consultorio do doutor, no supermercado e no salao de cabeleireiro. Sem perguntar a alguem se o desejam ou nao. Quando da a quinta badalada da hora da tarde, a MUSICA transforma-se em algo ofensivo a Deus e so se escuta o Corao.
A acrescentar a esta pausa para o cafe (sagrada, claro esta!), chega entao a anulacao total do som que nao venha directamente das palavras escritas no Corao.
Nem quero pensar onde isto vai dar...e pergunto-me:
De onde veio toda esta aversao a VIDA?
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