Cairo, dia 5 de Dezembro, 2010
Cores do Egipto!
Nao ha como fugir da loucura permanente da vida ca deste lado do rio Nilo.
De por onde der, aborrecimento sera uma palavra impossivel de aplicar a estes dias e noites que se multiplicam como uma montanha russa onde me lanco sem medo.
Enquanto me preparo para actuar num casamento egipcio num clube VIP que outrora foi palacio de repouso do ilustre antepassado egipcio Mohamed Ali, deparo-me com uma excursao de mulheres egipcias que irrompem pelo camarim adentro para rezar.
Aviso que o camarim esta ocupado - "hello! I am here! "- e que tenho de despir-me e coisa e tal...bla, bla, bla, whiskas saquetas. O meu pranto e' ignorado pelas mulheres que olham para mim, fascinadas, enquanto se descalcam e estendem tapetes no chao para a oracao.
Explico ao meu assistente que nao posso preparar-me para o espectaculo rodeada de um grupo de mulheres prostradas no chao clamando a Ala e mirando-me, pelo canto do olho, como se eu fosse a encarnacao pura de Paul Newman (mas ainda melhor, se isso for possivel!).
Elas desviam-se da minha roupa de palco porque e' "haram" (proibida por Deus, considerada malefica) e falam com entidades que lhes foram indicadas pelos "sheiks" das mesquitas e pela carneirada dos seus pais e avos.
Repetem gestos vazios em nome de Ala enquanto me fitam com um misto de admiracao, inveja e reprovacao.
Observam-me ate ao mais infimo detalhe e eu vejo-as a elas, fingindo rezar ou fingindo-se a si mesmas, atraves do espelho onde retoco a maquilhagem e arranjo o cabelo.
Oico um miar agudo que vem debaixo de um armario antigo ancorado ao lado do lavatorio.
E' um gatinho bebe assustado que, gracas a Deus, assusta o mulherio prostrado e as leva dali para fora, evitando um motim (levado a cabo por mim, farta de ser observada ou por elas, indignadas pela presenca "suja" de uma bailarina).
Os egipcios, por norma, ficam histericos com a presenca de chuva ou animais. Fogem de ambos como o diabo da cruz e ainda bem que assim e'.
Como Deus nao enviou chuva para o camarim, teve a amabilidade de enviar um singelo gatinho que deixou o mulherio histerico. E eu canto em forma de gospel (com peruca afro e tutti!):
I love you, LORD!!!
La me entendo com o gato, agradeco-lhe ter expulso os abutres islamicos e seus olhares prescrutantes e sigo para o espectaculo onde encontrarei estas mesmas mulheres.
Ali, longe do camarim, do gatinho aterrorizador e dos meus trajes anti-islamicos elas revelam-se tigresas a solta na Savana. Aplaudem, pedem-me beijos, abracos e fotografias.
No camarim eu era a meretriz, a amante do Mefistofeles, a pecadora e causa da queda da Humanidade e arredores. No palco, sou uma Deusa!
(Que parte da logica e' que eu nao consegui entender???)
Vamos la nos compreender estes egipcios!
Danco em frente ao lago onde se banhava o rotundo (quero dizer, gorducho!) Mohamed Ali e so vejo cores a minha volta. O som da orquestra (25 musicos concentrados num palco pequeno) embriaga-me, as luzes apontadas a minha cara confundem-me os passos e eu ja nao sei onde se encontra o norte e o sul. Sei, porem, quem sou e o que estou a fazer ali e assim danco. Para mim, para o rio, para as mulheres egipcias que encontrei no camarim e me irritaram ate ao tutano, para os seus maridos que me olham felizes com aquela bonomia de quem sabe que tudo aquilo e' areia demais para os seus camiozinhos (ou carrinhos de mao, por assim dizer).
Viro-me para os meus musicos e passo o olhar pelo meu decote. Um dos peitos esta quase, quase de fora, dizendo "Ola" ao pessoal. Ai, que vergonha...
Depois de soutiens e saias abertos em palco, trambolhoes maquiavelicos ao nivel acrobatico do "Cirque du Soleil" e outros contratempos que ja acho normais, que impacto tera um mamilo fora ou dentro do vestido...Meu Deus, sera que estou a perder a nocao de ridiculo?
Sera que ja nao sei onde se encontram os limites da decencia?!
Ajeito o soutien, tento olhar alguns dos meus musicos na cara, procuro uma referencia familiar a que me agarrar um pouco para nao flutuar totalmente no vazio.
A intensidade das luzes e a urgencia do AGORA (ha publico a entreter...the show must go on...) impedem-me de encontrar essa ancora.
Sigo flutuando no vazio. As estrelas miudas, quase imperceptiveis, flutuam comigo no ceu e dentro de mim.
Final:
Sucesso.
Abracos.
"Ela e' mesmo estrangeira?"- Perguntam eles.
A estrela do momento. (Rio-me porque sei que tudo e' ceu e tudo e' CHAO).
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