Friday, October 29, 2010

Cairo, dia 29 de Outubro, 2010

Ainda me custa...

Rio-me sempre que me perguntam como consegui adaptar-me tao bem ao Egipto, a vida de bailarina e super star por ca (este termo da super star faz-me rir mais que tudo quando apenas trabalhei e trabalho duro, sacrifiquei e lutei como uma leoa ate hoje! Onde esta o glamour de tudo isso?! Pergunto-me...).

A verdade e' que eu nunca me adaptei completamente ao Egipto. Os dois primeiros anos que estive fora de Portugal foram passados entre varios paises arabes e o Egipto era apenas a casa onde eu voltava, esperando que retirassem uma lei absurda que proibia as bailarinas estrangeiras de trabalharem profissionalmente por ca.
Depois, desde ha quatro anos atras, lancei-me ao mercado e a vida egipcia e consegui adaptar-me a muitas coisas. Aprendi o dialecto egipcio por mim propria (nem perguntem como!), consegui os meus contratos de trabalho por merito proprio e sem passar por cima de ninguem ou deixar de lado os meus valores eticos, degustei as molokheyas, os chas excessivamente (ou apenas totalmente?) doces, o kushari e os mahshis e ate me apaixonei pelo sentido de humor egipcio.

Adaptei-me a um estilo de vida que se organiza ao redor da noite e dos espectaculos diarios, os ensaios e inteligencia diplomatica que se precisa para lidar com musicos egipcios 24 horas por dia.
Habituei-me ao lixo e a falta de pontualidade e competencia generalizadas. Tambem comecei a tolerar as falhas humanas de maneira mais flexivel, aprendi o significado de COMPAIXAO e aceitei que nem todos temos os mesmos valores, mentalidade, nivel de evolucao e consciencia.

Adaptei-me ao Ramadao e seus rituais, as mesquitas e seus chamamentos para a reza que , de tao presentes, ja nao registo nos ouvidos. Enfim...consegui fundir-me o suficiente com o Egipto de forma a sobreviver e saborear as coisas boas que ele tem.

Mais eis o que ainda me custa ( e ao qual eu nunca me adaptei):

1. Assedio sexual face as mulheres em todos os lados e a mentalidade que as trata como objectos dos homens. Este ainda me doi, irrita (leve, levemente...) e me mexe com as entranhas de forma estranhamente escorpionica. Apetece-me dar pauladas - ou pior - a muito bom menino que por aqui anda. Contra isso, SOU SEMPRE - e urgentemente - MAIS MULHER!

2. A desonestidade e a corrupcao generalizadas e a facilidade com que se mente (com e sem necessidade disso). Contra isso, sigo inflexivel na minha honestidade, sendo vista - por isso! - como tola e ingenua. Nao me importo porque sou livre e a consciencia nao me pesa!

3. A prostituicao que se espera das bailarinas, cantoras, actrizes.
Embora tenha subido, degrau a degrau, as escadas do SUCESSO por merito proprio, vejo-me limitada quando bato em portas que so se abrem na condicao de eu ser a namoradinha do momento de fulano e sicrano.
Por mais talento e provas dadas que se tenha nos bolsos, a esmagadora maioria dos homens que dirigem as artes performativas no Egipto parecem ter entrado nesta area so para ir para a cama com mulheres bonitas. Triste e ridiculo...

4. Estupidez e lentidao mental ao rubro. Uii...esta doi tanto e irrita-me para la dos limites suportaveis. Neste meu querido Egipto encontram-se os cerebros mais bloqueados e lentos do Universo e arredores.
Teste diario a minha (im)paciencia.

De resto, entre a poluicao sonora e do ar que esta pesado demais para se respirar, la vou levando jamais me queixando porque sei que todo o SONHO tem o seu preco e sou livre que estar onde eu quiser.

Com LIBERDADE chega a RESPONSABILIDADE. Por isso ganho um carinho bizarro a todos estes lados negros do Egipto que me estava destinado e a esse pais (ainda) magico eu agradeco.

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