Cairo, dia 27 de Novembro, 2010
Momentos sublimes na cidade louca do Cairo (com o "borrar da pintura" que, invariavelmente, se segue)
O lado luminoso e o lado negro da vida parecem estar em maior evidencia no Egipto do que em qualquer outro pais que eu tenha conhecido. Aqui convivem as maiores atrocidades humanas com gestos de extrema beleza...da para por a cabecinha a andar a roda e virar o nosso "boneco" a 180 graus numa base diaria. Tal como ja referi, esta vida do lado de ca do rio Nilo nao e' para insuficientes cardiacos nem tao pouco para gente de pouca garra.
Caracter: PRECISA-SE.
Paciencia: Oh, se se precisa!
Flexibilidade mental para encaixar porcos a andarem de bicicleta e eventos que tais: ESSENCIAL.
Tolerancia as mudancas e surpresas constantes: Arma de sobrevivencia.
Loucura: Um "MUST"!
Eis que aguardava a chegada de uns amigos na Opera do Cairo (fomos ver a obra de ballet " Zorba el Greco") quando vejo aproximar-se de mim uma rapariga egipcia ("mohagaba"= coberta com o veu/"hijab") de ar simpatico e inquisitivo.
Comecou por meter conversa perguntando onde era a entrada do auditorio mas eu senti, imediatamente, que aquele era apenas um pretexto para se aproximar e saber quem eu era.
Perguntou-me:
-Es bailarina? Chamas-te Joana???
Eu respondi que sim e descobri que ela me conhecia do "NILE MAXIM", onde actuo regularmente.
Perguntou se se podia sentar ao meu lado enquanto os meus amigos nao chegassem.
Eu acedi ao pedido porque ela me pareceu inofensiva e muito simpatica ("Porque nao, pensei eu? Fazer um amigo nunca e' demais!").
Conversamos sobre muita coisa, ficando a saber que ela e' cantora da Opera do Cairo (informacao nao confirmada, uma vez que os egipcios sao peritos a engendrar historias mirabolantes que nem sequer passam perto da verdade!) e que adorava cantar Om Kolthoum.
- Ai, sim? Om Kolthoum e' a minha cantora preferida. - Acrescentei eu.
-Queres que eu cante para ti? - Lancou ela, sem hesitar.
-Se nao te importares, claro que sim. Canta-me "Enta Omri". - Conclui eu.
E assim teve inicio a um mini-concerto improvisado no jardim da Opera do Cairo. A rapariga - Zizi de seu nome - cantou a bendita "Enta Omri" e ganhou uma ovacao geral de todos quantos se encontravam ao redor do jardim.
Eu fiquei encantada, suspensa nesse momento magico em que as estrelas brilham no ceu da Opera do Cairo e eu estou sentada no marmore frio do jardim, escutando uma Om Kolthoum privada, cantando para mim ate quando eu lhe dissesse para parar.
Logo em seguida pediu-me para eu dancar para ela. Eu disse-lhe que nao dancava em publico, a menos que estivesse a trabalhar. Ofereci-me para retribuir a generosidade dela cantando-lhe um FADO da minha terra e assim a deixei a chorar, literalmente, e jurando a pes juntos que eu devia deixar a Danca e dedicar-me a carreira de cantora ("sim, vou pensar nisso...").
Momento maravilhoso, sem duvida.
E depois?
Bem...depois...azedou. Deu para o torto. "Pifou"!
Pois claro. Estamos do Cairo.
Facto incontornavel e desconcertante.
Foi entao que a Zizi, rouxinol da Opera do Cairo, se convidou a si mesma para se juntar a mim e a minha orquestra no dia que se seguiria (hoje).
- Quero ser tua amiga. E tu, queres?! - Perguntou ela, deixando-me confusa por ja nao saber se tinha uma rapariga de 20 e tal anos a minha frente ou uma criancinha de 5 anos.
- Sim, eu tambem quero ser tua amiga. - Que mais poderia eu responder?!
Entao da-me o teu numero de telefone (eu dei :( e eu ligo-te assim que puder.
-Combinado?
-Combinado (tremulo e ja prevendo o que iria acontecer).
Despedimo-nos e eu fui ao encontro dos meus amigos que, entretanto, tinha chegado a recepcao da "Opera House".
Assim que entrei para o auditorio e os primeiros acordes do "Zorba" se fizeram ouvir, ainda os cantores nao tinham atinado com os cantos gregos da obra e ja la estava a Zizi a telefonar-me insistentemente. O meu telemovel estava silenciado mas eu podia sentir a sua vibracao vinda da minha mala. Foi o Zorba a saltar no palco e o meu telemovel a saltar na mala, "non stop".
Enviou-me uma mensagem perguntando-me se eu estava chateada com ela e se queria mesmo ser sua amiga e porque raio nao atendia o telefone.
-Nao, nao estou chateada (acabei de te conhecer!!!) e quero mesmo ser tua amiga, o.k?! - Respondi eu, ja assustada com o comportamento obsessivo da Zizi.
Isto passou-se ontem a noite.
Durante o dia de hoje, contabilizei dezenas de chamadas da minha querida amiga Zizi.
As chamadas juntam-se duas mensagens desesperadas tentando confirmar o meu interesse na nossa amizade e jurando adoracao eterna para com a minha pessoa. (???)
Quando cheguei ao "Nile Maxim" para actuar, tinha um bilhete dela a entrada com um queixume emocional de fazer chorar as pedras da calcada e uma declaracao de amor inusitada a qual ainda adicionou um expressivo: " Mas porque nao atendes sempre as minhas chamadas? Liguei-te tantas vezes e tu nao respondeste! Porque???"
Huummmm...onde e' que ja vi este filme?
Espera...agora lembro-me. Era um dos meus ex-namorados ciumentos. Pois era... mas esta e' apenas uma rapariga egipcia que eu conheci ontem na Opera do Cairo. Como conseguirei fazer a ligacao entre "namorado ciumento" e "conhecida ciumenta"?!
Uau, ate para uma cabecinha como a minha, versada no encaixe das maiores aberracoes humanas, esta da-me a volta ao miolo. Ainda nao a encaixei mas hei-de la chegar.
Entao agora so me faltava esta. Tenho a Zizi a pega numa versao egipcia da "Atraccao Fatal" onde a Glenn Close usa "hijab" e eu me transformo em Michael Douglas, a vitima da mulher obcecada.
Bem que ela me chegou a perguntar onde eu moro. Gracas a Deus, nao lho disse, senao tinha-a agora a bater-me a porta afirmando de pes juntos que morre de saudades minhas e colando-me bilhetes de amor a porta!
Eu e a Zizi, um caso de amor inusitado...Oh, meu Deus! Dai-me paciencia e ternura para levar na boa estas loucuras que so aqui me parecem existir.
No comments:
Post a Comment